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APRESENTAÇÃO DE PROJECTOS

"IMIGRANTES MARROQUINOS NA VENDA AMBULANTE: UM ESTUDO SOBRE NEGOCIAÇÃO DE IDENTIDADES" [1]

Alcinda Cabral
Centro de Estudos de Antropologia Aplicada
Universidade Fernando Pessoa

Nos últimos anos, os residentes no Norte de Portugal habituaram-se à presença de Marroquinos, que calcorreiam os caminhos das nossas cidades, vilas e aldeias, dedicando-se à venda ambulante de tapetes e, ultimamente, se bem que em menor escala, de roupas fabricadas em couro.
 
O aparecimento desta população estrangeira, aparentemente de dominância adulta masculina, portadora de um fenótipo e de expressões culturais que se afastam um tanto dos da sociedade de chegada, tem suscitado naturalmente reacções de curiosidade por parte do público em geral e especialmente por parte da comunidade académica, desejosa de conhecer esta nova realidade social. Esta foi a nossa motivação primeira, a qual procuramos dar corpo a partir deste momento.
Muitas questões se nos colocam, tais como:
- Como se compõe esta comunidade, que, apesar de se mostrar fisicamente no quotidiano dos nossos meios urbanos e até rurais, se pauta por uma grande invisibilidade a nível de sociabilidade externa?
 
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- Onde vive, já que a percepção que desperta nos autóctones é a da distância social, procurada através de várias estratégias, entre elas a de fixar residência fora dos seus locais de trabalho?
- Estes Marroquinos vivem no Norte de Portugal, ou vivem na Galiza, deslocando-se aqui apenas para a venda, uma vez que os seus itinerários migratórios se distribuíram, muito provavelmente, ao longo de uma linha ascendente, no sentido Sul/Norte, partindo e Marrocos, atravessando a Espanha (com permanências mais ou menos prolongadas em diversos locais), até chegarem a Portugal?
- As suas actividades exclusivas no nosso espaço nacional serão efectivamente, como supomos, a venda ambulante?
- O facto de, recentemente, serem acompanhados por adolescentes nos seus percursos laborais significará que estão a sedentarizar-se no nosso país, que os seus projectos imigratórios se estão a tornar definitivos (até que ponto?) e que o reagrupamento familiar se está a efectuar? Ou, pelo contrário, indicia apenas que a sua imigração continua a ser masculina, expatriando-se apenas os filhos (rapazes), que assim se iniciam numa actividade profissional, beneficiando da companhia e da experiência parental?
- Tendo estes adolescentes uma idade em que, segundo a lei portuguesa, deveriam ser escolarizados, como resolvem ou fogem a essa obrigatoriedade?
- Como convivem com a sociedade nativa? Serão os seus contactos meramente comerciais? Ou, pelo menos nos seus espaços de residência, desenvolvem e/ou aceitam estratégias de convivência?
- Estas, a existirem, que áreas culturais atingem? Lazeres? Manifestações recreativas, desportivas, folclóricas, religiosas? Partilha de momentos importantes referentes a esfera privada, tais como casamentos ou outros?
- Como se relacionam com as autoridades e a administração portuguesas?
- Que percepções terão a respeito dos membros da sociedade de acolhimento?
- Como se situarão, a nível individual e a nível grupal, a partir do "in-group" em relação ao "out.group"?
 
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Estas questões formam a base da nossa motivação para encetar este estudo.
 
Os dois conceitos que presidirão ao nosso trabalho serão: a cultura e a identidade.
 
Partiremos da investigação das práticas culturais deste grupo como referente básico para o estudo do seu comportamento a nível da sociabilidade interna e da sociabilidade externa, práticas essas vistas como elementos coesionadores do grupo.
 
O conceito de cultura será aqui abordado no seu duplo aspecto: subjectivo e objectivo. O conhecimento da sua cultura adquirida pela educação e formação permitir-nos-á fundamentar o nosso estudo na sua concepção de Nação, na afirmação da sua História e das suas tradições culturais, no seu destino como povo com uma identidade histórica e cultural.
 
Alicerçando-se a cultura no passado, este conceito constituirá o ponto de partida que nos conduzirá ao ponto de chegada, que são as manifestações culturais do grupo colocado nesta situação específica. Sendo a cultura fruto da sua História, constitui um processo de educação do grupo, mas também um produto, uma realidade objectiva, expressa na sua unidade, que é factor de coesão, porque identifica o grupo.
 
Cada cultura produz um modelo da realidade, que gere e dá sentido ao comportamento dos membros do colectivo a que respeita. Este sistema de elementos interactivos compartilhados pela colectividade não é um mero produto interno, mas é também consequência da interacção com outros grupos culturais. No caso que nos ocupa, em que um grupo étnico se encontra deslocado da sua sociedade de origem, esta questão adquire uma pertinência extrema, porque os seus elementos vão defrontar-se com problemas de adaptação externa ao novo meio e, consequentemente, de integração interna, esta reflectida a nível individual e colectivo, tanto no respeitante ao grupo familiar e de vizinhança formado pelos conterrâneos, como ao grupo de pares que não se expatriaram. Este colectivo adquirirá, com o tempo, uma identidade cultural diferencial, fruto da sua cultura de nascimento e da sua aculturação a cultura dominante. Esta identidade será compartilhada pelos seus membros e as suas experiências interaccionais serão determinantes na resolução dos seus problemas.
 
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O nosso propósito é, pois, debruçarmo-nos sobre os elementos que compõem a nova cultura emergente do grupo por nós escolhido para objecto de estudo (valores, normas, crenças, rituais, mitos, linguagens, produtos) e saber como ele se relaciona com a cultura que deixou a partida e com a que encontrou a chegada. Teremos em conta o fenómeno presente em todo o contacto de culturas, que é a assimetria de influência verificada na reciprocidade da convivência, em que uma cultura se revela predominante em relação a outra. Estamos todavia cientes que a cultura minoritária, se possuir uma forte vitalidade, é capaz de estabelecer um certo equilíbrio nos empréstimos culturais recíprocos, criando as zonas intersticiais ou de fronteira que vão originar a nova cultura resultante da intersecção das duas culturas em contacto. Contudo, haverá que contar também com o facto de, nestes processos de influência mútua, o grupo deslocado, pelo menos nos primeiros anos, desenvolver mecanismos de defesa para manter a sua identidade étnica de origem, o que, em princípio, se atenua com o tempo. A fase inicial de aculturação em que se encontra o nosso grupo de estudo estará por certo numa etapa embrionária de mestiçagem cultural de dominância dos indicadores étnicos de origem, revelando um particularismo cultural ainda muito acentuado, o que constitui sobremaneira uma aliciante para seguirmos a evolução da sua mudança cultural.

OBJECTIVOS
A) Gerais:
1- Pretendemos seguir o percurso deste grupo, do passado até ao presente, a fim de conseguirmos compreender como se sedimentou a sua nova identidade cultural:
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2- Esta investigação insere-se num projecto mais abrangente, o qual se concretizará na criação do "Laboratório Internacional de Estudos Interdisciplinares sobre Fronteiras". A este Centro de Estudos, que se encontra em fase de constituição, pertencerão as quatro universidades intervenientes neste Projecto (Fernando Pessoa, de Alicante, de Almeria e de Antuérpia), representadas pelos professores Alcinda Cabral, Dolores Llovera, Francisco Checa e Christiane Stallaert.

B) Específicos:
1- Dimensão político-institucional da imigração marroquina em Portugal
 
A perspectiva a adoptar nesta abordagem será sobretudo a da contextualização político-legal da imigração marroquina em Portugal.

Premissas:
a) as relações de há muito fisicamente possíveis e efectivas entre os espaços português e marroquino;
b) a mudança do quadro dessas relações, no contexto da integração europeia de Portugal.

Quando se fala das relações entre cidadãos portugueses e imigrantes marroquinos pensa-se antes de mais no contacto e intercâmbio cultural assim gerado, bem como nos fluxos de aculturação que daí possam decorrer. Todavia, é preciso pensar também que essas identidades que
 
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entram em campo não são "apenas" identidades culturais, que elas são, igualmente, identidades políticas, decorrentes de Estados soberanos, aos quais cabe fixar as regras institucionais por que se pauta tal relação.
 
Por outro lado, em matéria de políticas de imigração, como em outras, o Estado português não actua sozinho, mas de forma concertada com a União Europeia de que é parte. Portugal-Marrocos significa hoje, também, Marrocos-Europa, o que, potencialmente, reforçará os factores de atracção pelo território português. Reunindo a Europa comunitária uma parte substancial da riqueza mundial, exerce indubitavelmente uma atracção sobre as populações "periféricas" mais pobres. A posição geográfica de Portugal e, provavelmente também razões históricas, propiciam a relação entre o espaço português e o Norte de África, fazendo de Portugal uma porta da Europa virada ao mundo do Sul.
 
As nossas estratégias serão de vária ordem:
2- Processos de negociação de identidades
Julgamos ser importante fazer uma distinção entre espera de relacionamento público e espera de relacionamento privado destes migrantes e a partir desta divisão seria possível estudar-se um conjunto de aspectos relacionados com as actividades que desenvolvem, por forma a conhecer os processos de alteração e de permanência da identidade da população em causa:
a) Economia subterrânea: perceber como, face à sociedade de acolhimento, estes migrantes desenvolvem as suas actividades económicas, como se movimentam junto dos autóctones, que tipo de relação mantêm com o
 
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Estado (se é que mantêm alguma), que tipo de relação paradoxal explica a sua motivação para mirarem e manterem essa condição, tendo em conta espaços que se definem entre si pela existência de fortes assimetrias. Neste quadro importará saber o que vendem, como vendem, se pagam ou não impostos, como organizam a actividade comercial, se existe ou não uma hierarquia entre eles, se o negócio se organiza em rede, como se define essa rede no espaço ou em outro tipo de características. Esta abordagem inscreve-se essencialmente dentro do domínio público de observação da vida destes migrantes.
 
b) Redes de relações sociais: perceber como os migrantes se relacionam no espaço de acolhimento, a dois níveis: um público, quer entre eles quer com os autóctones; e um privado, no seu quotidiano "familiar", fora do espaço e do tempo económico. Com este sentido importará, por exemplo, fazer um acompanhamento dos percursos que estabelecem diariamente na venda dos seus produtos, que permanências mantêm nesses percursos, que continuidade dão as relações que vão adquirindo, etc.; e, por outro lado, que relações estabelecem diariamente nos "tempos mortos", que locais frequentam, como e com quem se associam.
 
A uma outra escala, perceber que tipo de relações mantêm com os espaços de origem, isto é, como contactam com a comunidade de origem, nomeadamente com os familiares, e, por outro lado, como servem de "pontes" entre os que ficaram e os que estão, como alimentam (se é que alimentam) os fluxos congéneres de migração, etc.
 
c) Perfis dos migrantes: perceber fundamentalmente que tipo de migrantes: homens apenas, idades, graus de conhecimento, condição civil, composição familiar, actividades anteriores a migração, etc..Trata-se, fundamentalmente, de traçar o perfil sociológico destes migrantes.
 
d) O tempo: perceber como, face a uma sociedade com características distintas da sua, numa dupla dimensão de relacionamento (público e privado), os migrantes reproduzem, por um lado, a dimensão do tempo que lhes é característica da sociedade de origem e como, por outro lado, se adaptam aos ritmos de vida e ao tempo social que está instituído na sociedade de acolhimento. Fundamentalmente, procurar-se-á aqui explorar as noções de tempo desenvolvidas por Hall (1996) e por Elias (1996), aquilo a que o primeiro autor designa por tempo distinto entre sociedades com características económicas e sociais diferenciadas, o tempo "polícrono" (para a sociedade
 
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marroquina) e o tempo "monócrono" (para a sociedade portuguesa) e, por outro lado, na perspectiva do segundo autor, a inevitabilidade que o tempo social tem, como condicionante da vida de cada um.
 
e) O relacionamento familiar: analisar em que medida ele pode modular ou manter a sua identidade. Esta análise distribuir-se-ia pelos dois espaços: com a família residente no país de origem e com a família imigrada em Portugal. Para este segundo aspecto, seria de grande interesse o estudo das relações da primeira geração com os filhos (2.ª geração), especialmente no caso de estes estarem a ser escolarizados. Aspectos como o conflito geracional, o conflito cultural, a autoridade sobre os filhos, a manutenção dos valores e das tradições marroquinas, etc., serão abordados nesta área.
 
f) Projectos de futuro: avaliar as perspectivas destes emigrantes em termos da existência ou não de projectos de futuro. Chegaram cá com prazos definidos?. O objectivo da sua estadia é ficarem cá durante um período de tempo previsto, ou até adquirirem uma "riqueza" económica determinada? Desenvolveram planos de futuro pessoais elou familiares, ou consideram a emigração como uma fase da sua vida com um final bem definido? Como é que a e/imigração afectam o desenvolvimento desses planos de futuro e, portanto, a sua identidade e integração social no país de acolhimento?.
 
g) Línguas e linguagens: as línguas não são os únicos instrumentos de comunicação de que se servem os homens, mas são no entanto os mais privilegiados, por permitirem simultâneamente abarcar o duplo significado (semântico e pragmático) da linguagem. A linguagem humana tem, com efeito, duas dimensões: a sígnica e a simbólica. Através da sígnica podemos atingir, no decorrer das interacções comunicativas, o conteúdo denotativo e unívoco das mensagens, o que significa que, recorrendo unicamente a ela, apenas conseguiremos alimentar o ritual da comunicação de forma muito reduzida. Ela completa-se com a dimensão simbólica, que é obtida através das conotações, as quais lhe conferem sentidos plurívocos. As línguas constituem assim veículos para transmitirem a cultura de geração em geração e contribuem para a interiorização de representações culturais e para a actuação em sociedade. Elas funcionam, portanto, como elementos chave para a construção da identidade cultural. No caso dos grupos étnicos deslocados, que vivem encaixados noutros contextos culturais, as línguas apresentam-se como indicadores da identidade étnica de origem e podem ser utilizadas para defenderem o grupo de discriminações, se, como é habitual nas migrações por razões económicas, os seus falantes constituírem

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comunidades minoritárias, sendo geralmente também minorizadas pela sociedade nativa. Tal se deve ao facto de, nessas condições, diferentes línguas co-existirem no mesmo espaço e assumirem funções diferenciadas: as alógenas circulam no interior da esfera privada com o estatuto de gregárias, enquanto as autóctones dominam o espaço público gozando do estatuto de veiculares. Assim, não é raro que as línguas transplantadas para contextos desta natureza sejam manipuladas pelos seus utilizadores em termos de propriedade trans-histórica, congregando uma mobilização da etnicidade carregada de simbolismo.
 
No caso dos Marroquinos, para quem o idioma materno, além de ser um instrumento linguístico, é também, e acima de tudo, um instrumento religioso, porque é a única língua em que está escrito o Corão, esta seria a primeira questão a abordar. Um segundo aspecto seria o de aquilatar do seu multilinguismo (origens linguísticas, graus de competência linguística e de competência de comunicação, défice linguístico). Trata-se de um povo que, à partida, vive imerso em duas línguas, o francês e o árabe, este último abordado em duas variantes: o árabe clássico do texto sagrado e o árabe moderno, presumivelmente no caso da população em questão, quase exclusivamente oral. Assim, a sua expressão, como é comum em grupos da mesma natureza, será eivada de marcas transcódicas, quer se expresse numa língua ou noutra, com presença de fenómenos de mistura códica (code-mixing) e de alternância códica (code-switching). Ao chegar a Portugal, atravessou a Espanha, país com o qual se encontra familiarizada desde longa data, possuindo portanto um conhecimento, pelo menos passivo, do castelhano. Em Portugal, a actividade laboral destes sujeitos obriga-os a uma comunicação mínima com a sociedade de acolhimento, o que os leva a uma aprendizagem do português não guiada, feita em meio natural, por simples impregnação no contacto com a língua dominante. Esta situação dará muito provavelmente origem ao aparecimento de um endolinguismo no respeitante as duas línguas peninsulares, donde resultará uma situação diglóssica (com diglossias encaixadas a partir dos diferentes idiomas com os quais convivem) que interessaria analisar. O nosso propósito será menos prescritivo ou normativo do que interpretativo ou hermenêutico. Quer dizer que, mais do que etiquetar os actos de língua de correcto/incorrecto, partindo do princípio que estes não têm qualquer significação em si, a nossa proposta vai no sentido de os interpretar através de um modelo social e interaccional. Assim, os nossos objectivos consistirão na abordagem da circulação das diferentes línguas em presença, nas suas funções (veicular/pragmática) e (gregária/simbólica), a fim de aquilatar das suas implicações em termos
 
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identitários, assim como investigar a nível de língua/cultura materna (árabe) o papel da tradição oral e, dentro desta perspectiva, fazer a recolha de contos tradicionais e infantis.
 
h) O lugar ocupado pelas representações do feminino: a forma como se pensam e repensam os lugares ocupados e a ocupar pelos vários membros de um grupo, tanto no domínio privado, como no domínio público, assim como as representações culturais, antropológicas, religiosas e morais que lhe são subjacentes, constitui, simultaneamente, um dos aspectos envolvidos na negociação da identidade de um grupo minoritário no seio de uma comunidade cultural diferente e um dos elementos significativos para o reforço dessa mesma identidade.
 
A concepção do lugar ocupado e a ocupar pode ser de ordem efectiva ou normativa, englobando, frequentemente, as duas facetas: se, por um lado, aquilo que é estabelecido como padrão resulta da prática observada e seguida, por outro lado, a realidade e o "olhar do grupo" sobre ela podem divergir, sendo necessário avaliar se o lugar atribuído aos vários membros do grupo corresponde a sua prática ou se nele se espelham, sobretudo, os modelos em que o olhar do grupo desejaria fixá-lo.
Além disso, a concepção que uma minoria tem da sociedade onde se encontra inserida ou da qual se sente excluída passa também pela apreciação e avaliação (positiva ou negativa) da forma como, nessa sociedade, se determinam os espaços a ocupar por cada um, tanto privada, como publicamente. No olhar do grupo minoritário sobre os não-pertencentes ao grupo cruzam-se tanto sinais de aceitação, como de recusa do universo cultural circundante.
Um dos elementos essenciais para a compreensão do grupo minoritário, assim como da forma como este avalia a cultura onde se insere/da qual é excluído, é o modo como se distribui o espaço e o tempo das mulheres, de acordo com os modelos de feminilidade e de masculinidade e de acordo com a prática real. Assim, pensamos observar como os lugares atribuídos às mulheres, tanto dentro do grupo minoritário, como no imaginário do grupo minoritário acerca do grupo maioritário, constituem "moeda de troca" ou "mais-valia" na negociação e reforço da identidade da minoria. O nosso objectivo será, por um lado, averiguar do papel da mulher na comunidade marroquina residente em Portugal, e, por outro lado, do retrato que a mesma faz das mulheres alheias ao grupo, em ordem a avaliação do peso desta questão para a negociação e reforço da identidade da minoria em causa.
 
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i) A questão religiosa: um dos pontos mais relevantes na construção da imagem dos vendedores ambulantes marroquinos, por parte dos cidadãos portugueses, é o da religião. A prática da religião muçulmana e a imediata classificação dos vendedores ambulantes marroquinos a partir desta religião, assumem-se como o elemento identitário por excelência de diferenciação. Este processo de classificação, interferente na interacção, provoca dois tipos de atitude por parte da comunidade autóctone: a construção de uma imagem que tem no «exótico» uma estética de referência; e uma reserva, expressa em desconfiança num mundo de sentidos e de rituais estranhos a um espaço cultural marcado pelo cristianismo. Esta dupla relação com a figura do vendedor ambulante marroquino marca os discursos de referência, nomeadamente aqueles que têm a ver com o género, a estética corporal e suas ritualizações, os rituais de purificação, as práticas gastronómicas e o próprio sentido do sagrado. A investigação da simbólica religiosa e da sua prática procurará averiguar a negociação dos discursos sociais e culturais marcados pela crença religiosa. Na interacção com os compradores, estes vendedores negoceiam uma identidade que lhes é atribuída, na maior parte das vezes por uma informação superficial e marcadamente politizada num etnocentrismo demasiado seguro de si mesmo. Haverá uma estratégia de representação na esfera pública, reproduzindo essa informação, de modo a assegurar a manutenção de uma boa relação, necessária para a venda de um produto, enquanto se deixa para o privado as práticas rituais e os sentidos em que se revêm? Ou, pelo contrário, há uma modificação, a partir das interacções estabelecidas, dos discursos sociais de referência?
 
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BIBLIOGRAFIA
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CHECA, Francisco (ed.).
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CHECA, Francisco e SORIANO, E. (eds.)
1999 Inmigrantes entre nosotros. Trabajo, cultura y educación intercultural, Barcelona: Icaria.

MAIA, Rui.
1999 "Redes e sistemas sociais: uma perspectiva teórico-analítica no longo percurso da sociologia das migrações" in SANTACREU SOLER, José Miguel e VARGAS LLOVERA, Maria Dolores (eds.), Las migraciones del siglo XX, Universidad de Alicante: Editorial Club Universitario, p. 17-29.

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1998 "La inmigración africana de venta ambulante. El caso de Alicante", in CHECA, Francisco (ed.), Africanos en la otra orilla, p. 61-80, Barcelona: Icaria.




[1] Este Projecto é subsidiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. Os investigadores deste Projecto são: Alcinda Cabral, Alvaro Carnpelo, Ana Sacau, Cláudia Ramos, Judite Freitas, Rui Maia, Teresa Toldy, da Universidade Fernando Pessoa; M. Dolores Vargas Llovera, da Universidade de Alicante; Francisco Checa, da Universidade de Almeria; Christiane Stallaert, da Universidade de Antuérpia.