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"ENVELHECER NUM LAR"
Joana Pinto Rodrigues
Investigação apoiada pelo Sub-programa Ciência e Tecnologia do Quadro Comunitário de Apoio

SUMÁRIO
Portugal, à semelhança de muitos outros países desenvolvidos do hemisfério Norte, sofre importantes transformações demográficas tendentes ao envelhecimento da população. A visibilidade crescente que as alterações demográficas e sociais têm provocado e as consequências das mesmas para o quotidiano da população em geral e dos idosos de forma particular, suscitaram inúmeros estudos e investigações. Para a antropologia, este tema encontra-se, contudo, numa situação marginal. O principal objectivo deste artigo é, então, dar a conhecer um estudo da experiência de velhice num lar de idosos.

ABSTRACT
Like in so many other developed countries of the Northern Hemisphere, Portugal has been suffering relevant demographic changes towards the ageing of its population. The growing awareness of the effects raised by the demographic and social changes, and their effects to both the general and the senior population, have raised a substantial body of research studies. However, Anthropological research has been considering this a marginal subject. The main objective of this article is to bring to general knowledge one study case of the life of elders in a geriatric hospital.

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SEXTA-FEIRA - DIA 25 DE NOVEMBRO ÀS 15.30H [1]
Estava com a Elvira, a D. Matilde e a Carmo (auxiliar de limpeza) no corredor a conversar, quando vimos chegar um carro de onde saiu uma senhora com umas sacas. Comentaram que possivelmente seria alguém que vinha para o lar. Passados cerca de quinze minutos, a enfermeira passa por nós acompanhada pela referida senhora. Vinha com um lenço escuro na cabeça, com uma carteira debaixo do braço e lágrimas nos olhos.
Enfermeira - Esta é uma senhora nova, é a Sra. Margarida e vem para cá para a nossa beira.
Depois de a enfermeira se afastar um pouco, a D. Matilde começou a rir-se e a tecer alguns comentários em tom baixo.
Matilde - Olha para ela de lenço na cabeça. Deve ser careca e é por isso que traz a cabeça escondida. Mas que lenço moderno que ela traz. (ri-se)
Parecia haver alguma frieza e insensibilidade na forma como esta idosa recebia uma outra idosa que estava a ingressar no lar. Perguntei-lhe se não compreendia que o primeiro dia custa muito.
Matilde - Eu também quando vim, chorei muito e ninguém me ajudou, por isso ela que chore, que os outros também choram.
A enfermeira entrou na sala das refeições onde se encontrava a maioria dos utentes, pois estava na hora de ser servido o lanche. Levou-a para a mesa do fundo da sala junto a outros. A enfermeira não fez apresentações a ninguém, limitando-se a dizer às pessoas da mesa que era uma senhora nova que vinha para o lar. A Sra. Margarida sentou-se no local em que lhe indicaram sem trocar uma única palavra. Puseram-lhe uma chávena de cevada na mesa e um pão. Não verifiquei nenhuma atenção por parte das empregadas no sentido de se dirigirem à recém chegada de uma forma mais afectiva, para esta se ambientar de forma mais fácil. A Sra. Margarida bebeu a cevada, mas apenas comeu meio pão. Prontamente se manifestaram algumas pessoas que estavam noutras mesas a dizer-lhe para ela guardar a
 
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outra metade de pão na gaveta, que se encontra na mesa junto ao lugar que ela ocupa, para poder comer depois. Ela parecia não estar a entender muito bem o que lhe diziam, mostrando-se um pouco confusa com a reacção simultânea de tanta gente, para ela desconhecida. A gaveta estava suja e as empregadas tiraram-na para a limpar. A instituição não se tinha preparado convenientemente para receber o novo elemento. As empregadas chamaram a atenção a recém-chegada de que não era necessário ela estar a guardar o pão, já que ao jantar lhe seria distribuído outro pão. A Sra. Lurdes, que estava numa mesa um pouco afastada, deslocou-se para junto da mesa onde a Sra. Margarida se encontrava imóvel e disse: "A Sra. tem muita sorte para o quarto para onde vai. Para o quarto onde vai é tudo pessoínhas muito limpinhas. São muito boas pessoas. Vai ver que gosta delas e que elas a vão ajudar em tudo." Esta utente foi a que se mostrou mais acolhedora. Os restantes membros demonstraram uma grande indiferença, ainda que a curiosidade quanto à proveniência e à razão de entrada fossem patentes.
Depois de terminado o lanche, a Sra. Margarida levantou-se da mesa e abeiraram-se dela as idosas que dormem no quarto para onde ela vai. Estas estavam apressadas, para que ela as acompanhasse ao quarto. Ela pediu para esperarem um pouco, que se queria despedir das pessoas que a tinham trazido. As colegas de quarto pareciam estar a assumir um papel protector. Saímos da sala das refeições e ela deslocou-se para o corredor para junto de uma janela para ver partir o carro e despedir-se. Uma utente que estava junto dela e assistia à despedida perguntou-lhe quem eram as pessoas que iam no carro. Ela explicou de forma bastante simples que o mais velho era o patrão para quem tinha trabalhado durante muitos anos e o outro era o genro dele.
Enquanto decorreu o lanche, o senhor esteve no gabinete da directora a acertar alguns pormenores do pagamento e a dar algumas informações. Depois, deslocaram-se para o carro e a Sra. Margarida junto da janela dizia adeus, ao mesmo tempo que as lágrimas lhe caíam abundantemente. Depois de entrarem no carro disseram adeus, gesto que a Sra. Margarida retribuiu, e avançaram, sem nunca mais olhar para trás. Mesmo assim, a Sra. Margarida persistia junta a janela a dizer adeus. O carro já não se avistava, mas os gestos continuavam os mesmos como se estivesse ainda a vê-los. As colegas de quarto insistiam em que ela fosse ver o quarto onde a partir de hoje passaria a dormir. Ela, prestando pouca atenção ao que lhe diziam, permanecia imóvel a olhar para a estrada por onde tinha visto desaparecer o carro que a tinha trazido e as lágrimas tornavam-se ainda mais abundantes.

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1 - NOTA BREVE
Portugal, à semelhança de muitos outros países desenvolvidos do hemisfério Norte, sofre importantes transformações demográficas tendentes ao envelhecimento da população. Este envelhecimento verifica-se a dois níveis. O primeiro resulta de uma diminuição da taxa de natalidade. Consequentemente, o número de indivíduos com idades inferiores a quinze anos é cada vez menor. O segundo nível prende-se com o progressivo aumento da esperança de vida e, em consequência, do número de indivíduos com mais de sessenta e cinco anos de idade. Verifica-se assim um crescimento progressivo da proporção de idosos em relação a população jovem [2]. Estas modificações reflectem-se em diferentes domínios sociais, económicos [3] e culturais.

A par destas transformações, verificaram-se também importantes mudanças ao nível da estrutura familiar. A maior inserção da mulher no mercado de trabalho e a sua crescente actividade provocaram importantes mudanças sociais conducentes ao desenquadramento familiar e social de alguns idosos. A estrutura familiar tradicional, caracterizada por uma convivência intergeracional, dá progressivamente lugar a uma estrutura familiar de características tendencialmente nucleares. Estas modificações vieram dificultar, ou em alguns casos impossibilitar, a permanência de um dos elementos do agregado familiar na residência para cuidar dos mais idosos ou das pessoas com dificuldade em realizar, com autonomia, as actividades diárias. Apesar das transformações na estrutura familiar, é importante ter em conta que esta continua a ser, o principal garante de apoio para a maioria dos idosos da sociedade portuguesa. Apesar disso, é cada vez maior o número de pessoas que recorrem a lares de idosos.
Os lares [4], ainda que considerados de uma forma geral como não totalmente Satisfatórios [5], (mesmo pelos responsáveis da segurança social) acolhem
 
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actualmente um número considerável de idosos. Ainda que outras políticas estejam a ser desenvolvidas, nomeadamente uma maior implementação de centros de dia e o apoio domiciliário, o acolhimento em lares de idosos apresenta-se ainda hoje como a solução para muitos idosos portugueses [6].
A visibilidade crescente que as alterações demográficas e sociais têm provocado e as consequências das mesmas para o quotidiano da população em geral e dos mais idosos de forma particular, suscitaram inúmeros estudos e investigações. Para a antropologia, este tema encontra-se, contudo, numa situação marginal. Apesar dos inegáveis contributos teóricos e metodológicos desta ciência na análise de novas problemáticas sociais, a velhice não constituiu um ponto de interesse fundamental nos estudos antropológicos. Spencer, na introdução a uma colectânea de textos que abordam esta temática segundo uma perspectiva antropológica, considera que a velhice é frequentemente remetida para segundo plano, não fazendo portanto parte das teorizações e estudos empíricos mais significativos a nível antropológico. Este autor atribui a um relativo "adultocentrismo" a situação periférica dos estudos antropológicos neste domínio (cf. Spencer, 1990: 2-8). Por sua vez, Keith e Kertzer referem também que, até à década de sessenta ou mesmo mais tarde, se verifica um vazio teórico ao nível do estudo da velhice em Antropologia. Com o alargamento do âmbito dos estudos da Antropologia, este tema foi abordado com maior frequência, ainda que sem grande relevância para o conhecimento antropológico geral

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(cf. Keith e Kertzer, 1984: 19-55). Os trabalhos de Myerhoff sobre idosos reformados que sobreviveram ao holocausto nazi são considerados como um marco a este nível (cf. Viegas, 1992: 2, Keith e Kertzer, 1984:24 e Román, 1990: 21, 69).
 
2- SÍNTESE DOS TRABALHOS DE PESQUISA
Tendo como principal objectivo do trabalho que se pretendia levar a cabo o estudo da experiência de velhice num lar de idosos optou-se por seleccionar um local onde fosse possível efectuar trabalho de campo de forma intensiva (durante cerca de um ano, ainda que posteriormente se efectuassem visitas mas menos regulares), no sentido de obter uma maior proximidade com o fenómeno em análise. O lar de Vila da Pena foi o local escolhido para realizar o referido trabalho [7].
 
A metodologia qualitativa de carácter intensivo apresentou-se como a melhor forma de analisar a experiência da velhice. Na presente investigação procurou conjugar-se as entrevistas semi-directivas com a "observação participante", o que permitiu uma maior aproximação ao "modo pelo qual os participantes interpretam a sua experiência e constróem a realidade." (Burgess, 1997: 3) Burgess destaca mesmo a importância do envolvimento do investigador no contexto de vida dos sujeitos investigados, afirmando: "é tarefa dos cientistas em ciências sociais interpretar os significados e experiências dos actores sociais, uma tarefa que apenas pode ser levada a cabo através da participação dos indivíduos envolvidos." (Burgess, 1997: 86)
A directora do lar, que desde o início demonstrou toda a disponibilidade para a integração da investigadora e para o fornecimento de informações acerca da instituição que dirige e dos utentes que lá residem, não colocou nenhum tipo de obstáculos ao trabalho de pesquisa que se pretendia realizar. As

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adversidades surgiram essencialmente da parte das funcionárias da instituição e, em certos momentos e de forma subtil, da parte de alguns utentes. As primeiras julgaram mesmo que a investigadora poderia estar a vigiar os seus desempenhos, podendo ser provavelmente uma representante da Segurança Social, responsável por fornecer informações sobre o tipo de actuação de cada uma das funcionárias. Estas, sempre que assumiam uma atitude mais brusca para com algum utente, procuravam de imediato justificar-se no sentido de demonstrar que aquela era a única possibilidade de actuação. Depois de esclarecido o equívoco, o relacionamento foi mais pacífico, ainda que algumas funcionárias denotassem algum desagrado pela directora autorizar a minha "intromissão" no lar. A ajuda que a investigadora prestou às funcionárias na execução de algumas tarefas diárias, como por exemplo servir refeições, dar de comer aos utentes com mais dificuldades, preparar as mesas para as refeições, retirar a louça das mesas, deslocar os utentes de cadeira de rodas e prestar apoio nos dias de festa, permitiram um relacionamento mais próximo. Apesar disso, as funcionárias viam na investigadora um elemento protector dos utentes que consequentemente poderia pôr em causa a forma como as suas actividades eram executadas. O relacionamento com as funcionárias foi também afectado pelo modo como a investigadora se apresentou. Desde o início que esta tornou claro que estava no lar para realizar um trabalho sobre o mesmo e sobre as pessoas que nele se encontravam a residir. Contudo, este papel apresentava-se com um carácter um pouco indefinido, uma vez que não correspondia a nenhuma das categorias profissionais conhecidas por funcionários e utentes.
O facto de a investigadora não usar um uniforme igual ao das funcionárias e de não efectuar as actividades desempenhadas por estas, permitiu que os utentes estabelecessem uma distinção clara entre a primeira e as segundas. Inicialmente, os utentes demonstraram alguma estranheza pelo papel assumido. Eram frequentes as tentativas de atribuírem a investigadora um papel ao qual associavam funções específicas por eles conhecidas. Por diversas vezes, e com o intuito de clarificação, os utentes questionavam a investigadora sobre as suas funções no lar: "mas é como as da bata branca?", "é como aquela da segurança social que vem fiscalizar se as coisas estão bem?" ou ainda, e muito simplesmente, como alguém que "vem só para conversar connosco?". Com o decorrer da investigação, esta preocupação esbateu-se, passando a ser habitual a presença no lar para "conversar com os utentes". A prestação de pequenas ajudas como o transporte ao centro da vila e ao médico, a compra de alguns bens de que necessitavam, o corte de unhas, os passeios pela área que envolve o lar, a

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participação nos jogos de cartas, entre outras actividades, facilitaram as relações com os utentes. As manifestações de agrado por parte destes relativamente a esta presença no lar foram claras, o que tornou o trabalho de terreno bastante mais fácil e agradável de realizar. Foi, contudo, necessário gerir diariamente as relações que se estabeleciam com os utentes, para não serem criadas hostilidades e conflitos susceptíveis de dificultar o trabalho de campo. Os tempos de conversação diária que se estabeleciam com os utentes foram tidos em conta, de forma a que uns não se sentissem preteridos em relação a outros, em consequência da maior ou menor duração dos contactos pessoais. A linguagem utilizada e as temáticas abordadas nas conversas tiveram também que se adaptar às diversas circunstâncias e à especificidade dos utentes. A diferença de idade entre estes e a investigadora não constituiu um entrave significativo na realização do trabalho de campo [8]. Colocou mesmo a investigadora numa situação de alguma vantagem, uma vez que os utentes do lar eram muito receptivos ao estabelecimento de contactos com pessoas mais jovens, admirando e agradecendo o interesse por parte da investigadora. Alguns deles afirmaram mesmo: " os velhos não prestam para nada. Ao menos quando a Joaninha vem podemos falar de coisas de jeito". As maiores dificuldades surgiram no que se refere à diferença sexual. A entrada nos quartos dos utentes do sexo masculino não se verificou com a mesma facilidade com que se entrava e circulava nos quartos das idosas. A tentativa de aproximação mais íntima por parte de alguns idosos prejudicou também a interacção com alguns destes elementos. Apesar disso, foi possível estabelecer laços de amizade com elementos de ambos os sexos, o que permitiu conhecer, de forma bastante próxima, as suas vivências.
 
As entrevistas semi-directivas [9] apenas foram efectuadas depois de decorridos cinco meses de trabalho de campo, de forma a que as temáticas a abordar

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pudessem surgir de alguns pontos de interesse suscitados pela observação do quotidiano no lar e das múltiplas conversas informais com os utentes. Este hiato temporal permitiu também que a relação da investigadora com os utentes, no momento de realização das entrevistas, se caracterizasse por alguma familiaridade. Apesar disso, alguns utentes não demonstraram a disponibilidade esperada. Procuravam justificar a indisponibilidade para a realização das entrevistas com o argumento de não possuírem tempo disponível. A existência de missa, a eventualidade de receberem visitas, a necessidade de lavar ou estender roupa eram razões suficientes para se considerarem impedidos, durante todo o dia, de responder a algumas perguntas. Apesar disso, estavam diariamente a disputar a presença da investigadora no sentido de contarem aquilo que os preocupava ou apenas para terem companhia. No trabalho de campo realizado, Paul constatou que a disponibilidade dos idosos não é tanta como aquela que se julga existir a partida, em consequência da ausência de compromissos profissionais (cf. Paul, 1991: 11). As entrevistas semi-directivas e aprofundadas constituíram uma forma de o idoso se referir de forma mais ou menos sistemática a temáticas que lhe foram sugeridas [10]. Permitindo também estabelecer uma
 
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distinção clara entre as expressões transmitidas e as expressões emitidas [11]. pelos utentes. O uso do gravador, para além de constituir um factor inibidor, conferiu alguma formalidade à realização das entrevistas. Consequentemente, alguns utentes procuraram não tecer considerações desabonatórias para o lar, ao invés do que ocorria durante o quotidiano nas conversas informais que mantinham. Da mesma forma, procuravam transmitir, relativamente a algumas temáticas como, por exemplo, a sexualidade, um discurso que julgavam mais apropriado para a sua condição de idosos, o que por vezes contradizia claramente as suas práticas. A conjugação metodológica entre entrevistas e "observação participante" permitiu assim correlacionar a expressão verbal das experiências de velhice no lar de idosos e os comportamentos e acções concretas dos utentes.
 
Importa ainda considerar que as experiências narradas encontram-se fortemente relacionadas com as circunstâncias e posicionamento presente.
 
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A reconstrução do passado faz-se, nesta medida, por referência a um presente experienciado. Assim, a narração actual da experiência de vida dos utentes, efectuada no momento em que estes se encontram internados no lar, e certamente diferente da narração que os mesmos apresentariam no momento em que os acontecimentos foram vivenciados. A narração de vida é, neste sentido, interpretada segundo uma avaliação actual [12].
A recolha de dados sobre os utentes abrangeu ainda o ficheiro da instituição. Este foi consultado com o intuito de obter informação relativa ao sexo, idade, naturalidade, residência, profissão, estado civil, estado de saúde e ainda o motivo do internamento dos idosos, a família que possuíam e as pessoas com quem viviam. Esta análise abrangeu todos os utentes que frequentaram a instituição desde a data da sua fundação até à actualidade. O convívio diário com os utentes e restantes elementos da instituição permitiu uma proximidade sem a qual os resultados seriam certamente diferentes, julga-se que mais limitados, e a interacção bastante menos enriquecedora para a investigadora. O trabalho de campo constituiu-se assim como uma experiência única, que possibilitou que o desconhecimento inicial dos utentes do lar desse lugar a um relacionamento caracterizado pelo entendimento e compreensão. A investigadora era procurada como confidente e informante, estabelecendo-se, neste contexto, relações que permaneceram mesmo depois de terminado o trabalho de campo. O diálogo permanente e a experiência partilhada pelos utentes e pela investigadora permitiram analisar a forma como os primeiros interpretam e estruturam as suas vidas no lar. Este conhecimento foi, contudo, parcial e incompleto, na medida em que resulta de uma investigação espaço-temporalmente localizada. Este trabalho apresenta, por isso, um carácter aproximativo e inacabado.

3 - A EXPERIÊNCIA
O trabalho que me propus realizar, e do qual aqui apenas se apresentam algumas das questões mais pertinentes, teve, tal como já foi referido, como principal objectivo conhecer e analisar a experiência de velhice num lar de idosos. A experiência pode ser entendida como um meio intersubjectivo ou

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uma matriz social na qual as categorias e as estruturas sociais interagem com os mecanismos psicofisiológicos (cf. Kleinman e Kleinman, 1996: 170-1 71). A experiência constitui-se assim como um processo intersubjectivo que ultrapassa a esfera individual e colectiva das interacções. Esta não deve ser entendida como um produto da natureza humana, mas antes como um processo duplamente estruturado que se constitui como condição para o surgimento dos indivíduos enquanto elementos culturais. A estruturação resulta, a um nível colectivo, das condições socioculturais de determinado contexto local/global e, a um nível individual, das condições psico-afectivas e história pessoal dos actores sociais envolvidos na interacção [13]. A experiência permite desta forma ultrapassar a dicotomia individual/colectivo, constituindo-se assim no meio intersubjectivo decorrente das interacções estabelecidas a estes dois níveis. É neste sentido que Bourdieu refere que as representações, enquanto sistemas de percepção, apreciação e estrutura cognitiva, variam segundo o posicionamento dos actores sociais, o interesse que lhes está associado e ainda segundo o seu habitus [14] (cf. Bourdieu, 1987: 156). O antropólogo, ao longo do trabalho de terreno, irá confrontar-se com as dimensões que constituem a experiência a analisar. Importa contudo destacar algumas particularidades das experiências percepcionadas pelos antropólogos. Estas devem ser entendidas como experiências seccionadas ou quase experiências, na medida em que interagem num determinado espaço de tempo e local, com experiências em permanente mudança. Neste sentido, um contexto local determinado, apenas pode ser conhecido de forma parcial e incompleta (cf. Kleinman e Kleinman, 1996: 171-172). O antropólogo pode, todavia, revalidar regularmente as suas observações, procedendo ao estudo em diferentes momentos das mudanças ocorridas ao nível do fluxo experiencial dinâmico inerente aos actores sociais. A complexidade do trabalho antropológico é ainda reforçada pelo facto de o antropólogo, ao longo do trabalho de terreno, participar do fluxo experiencial dos indivíduos com quem contacta e integrar-se nele. As experiências decorrem, neste sentido, de uma multiplicidade de interacções vividas que relacionam a condição humana, as estruturas
 
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idiossincráticas e a estrutura sociocultural partilhada (cf. Kleinman e Kleinmen, 1996: 171-172).
 
Relativamente ao estudo específico efectuado foi possível verificar como a estrutura sociocultural (a nível colectivo) e a idiossincrasia dos actores sociais que participaram na interacção (a nível individual) se relacionam num momento e local determinado. Ao longo do trabalho de campo efectuado, e no momento de sistematizar a informação recolhida, a investigadora confrontou-se regularmente com estes dois níveis de estruturação. A nível colectivo destaca-se a importância da condição social de velhice e todos os valores e estereótipos a ela associados, do contexto político-social a que a generalidade dos idosos estiveram sujeitos na juventude e idade adulta e, finalmente, mas não menos importante, da estrutura institucional do lar em que estão internados e dos efeitos desta na vida quotidiana. A nível individual é de evidenciar a idiossincrasia dos utentes, o que confere às suas experiências de vida uma singularidade e individualidade notável.
Nas sociedades ocidentais predominam hoje valores como a dinâmica, a rapidez, a juventude, a produtividade, entre outros. Neste contexto, os indivíduos que se encontram numa fase inactiva, ou pelo menos improdutiva em termos económicos, têm um posicionamento relativamente desfavorecido. Um número significativo de idosos encontra-se precisamente numa situação social caracterizada por alguma exclusão. A circunstância de residir num lar de idosos agrava, grande parte das vezes, a situação de relativa marginalidade social que os idosos com maiores carências vivenciam. A associação implícita, que ainda hoje se verifica, entre os actuais lares de idosos e os não muito longínquos asilos, coloca quem reside neste tipo de instituições numa situação social de alguma fragilidade. Exclusão social, precariedade económica, diminuição das capacidades físicas e psicológicas e abandono familiar, são alguns aspectos frequentemente associados aos utentes internados em lares. Este facto confere ao presente estudo uma importância supralocal, na medida em que algumas das condicionantes que afectam os idosos de Vila da Pena de uma forma geral e os utentes do lar de uma forma particular, afectam também, e de forma semelhante, a generalidade dos idosos que se encontram em condições similares. A leitura e confronto com estudos nesta área, referentes a outras localidades e mesmo a outros países, permitiu verificar a semelhança de muitas das questões aqui abordadas (Vignat in Thomas, 1993: 60, nota 13 e 15; Bazo, 1994: 48-49; Kalish, 1996: 156; Grandall, 1980: 310, Williamson et al., 1980: 286 e Silva, 1994: 212-213).
 
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Os residentes no lar com quem foi possível contactar estiveram submetidos a um contexto social, político e económico que marcou, de forma clara, as suas vidas. O contexto rural e as mundividências a ele associadas constituem um dos elementos essenciais do percurso de vida da generalidade dos utentes. Este denominador comum confere alguma regularidade e semelhança aos relatos. As dificuldades económicas que marcaram a vida de muitos, as relações familiares caracterizadas por uma certa conflitualidade e o abandono precoce da escola, que colocou a generalidade dos idosos num nível educacional próximo do analfabetismo, são algumas das dimensões de análise que permitem encontrar traços comuns nas trajectórias de vida de um número significativo de utentes do lar. Alguma similitude relativa dos relatos não deve, contudo, encobrir a singularidade e individualidade dos mesmos.
 
4 - ANTECEDENTES E ENTRADA NO LAR
"Eu não podia estar mais sozinha em casa porque não podia fazer nada sozinha, nem cozinhar" (Sra. Alzira)
"Eu vim para o lar porque me deu uma trombose, precisava dos filhos para fazer tudo e, já se sabe, eles também têm a vida deles" (Sr. Alberto)
"Eu vivi muito tempo sozinho, desde que a minha mulher morreu, mas quando vim já não gostava de estar sozinho, precisava de ter gente à minha volta" (Sr. José)
As circunstâncias que levaram cada um dos idosos a ingressar no lar revelam precisamente a singularidade das trajectórias de vida. Os motivos que desencadeiam o processo que conduzirá os idosos a ingressar no lar são diversas. Segundo Thomas, podem-se agrupar em três tipos: a redução da autonomia resultante da debilidade física ou intelectual, conjugada com a posse de fracos recursos económicos [15]; o isolamento para o qual contribuem o desaparecimento do cônjuge e afastamento dos filhos e amigos; a diminuição do sentimento de família e ainda a perda do emprego e de interesse existencial (cf. Thomas, 1993: 60). Thomas considera pertinente a importância que Vignat atribui à reforma como elemento que pode desencadear

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um processo que vai culminar com o internamento do idoso [16]. A passagem a condição de reformado deve assim ser tida em conta, na medida em que causa, nalguns indivíduos, um sentimento de desinteresse pela vida. A perda ou diminuição da identidade e da identificação social, a dificuldade ou, nalguns casos, a impossibilidade de proceder a uma reorganização da mesma nas actividades de ócio devem ser consideradas (cf. Vignat, in Thomas, 1993: 60, nota 13, 15)

Bazo considera existirem quatro tipos de factores que podem contribuir para que um idoso sinta necessidade de ingressar no lar ou que alguém tome essa decisão por ele. Estes são: factores de natureza pessoal e psicológica (como, por exemplo, ter um carácter de tipo dependente ou não possuir uma pessoa que lhe dê atenção); de natureza física (como, por exemplo, problemas de saúde); de natureza económica (fracas condições económicas) e, finalmente, de natureza social (por exemplo, a diminuição da rede social de contactos e a ausência de serviços de apoio) (cf. Bazo, 1991 : 150).

Relativamente a este assunto, um trabalho realizado pela Fundação Europeia apresenta como principais razões do ingresso dos idosos em lares (na generalidade dos países europeus) a degradação da saúde, a dependência e ainda factores de ordem social. Nesta última categoria pode-se destacar a ausência de parentes próximos e a inexistência ou insuficiência do apoio prestado no domicílio. Segundo o relatório espanhol, as principais razões apontadas são motivos de saúde e de dependência no caso dos idosos em idades mais avançadas e a solidão e a insuficiência de meios financeiros essencialmente nos casos dos mais jovens e especialmente das mulheres. Relativamente a Portugal, o relatório considera que a situação mais preocupante se encontra nos meios urbanos, quando uma dependência da prestação de cuidados coexiste com uma insuficiência dos serviços prestados ao domicílio (cf. Bris, 1994: 48-49).

Os contributos dos autores referidos são de extrema importância na compreensão desta temática. Contudo, importa distinguir aquilo que se

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considera como factores que podem conduzir o idoso a uma situação den dependência relativamente a outros indivíduos e aquilo que pode ser designado por razões de entrada. Grande parte dos factores apontados pelos autores constituem elementos desencadeadores da fase que antecede a entrada do idoso no lar e não directamente a razão da sua entrada. Relativamente a estes sinais que surgem ou se tornam visíveis e conscientes na fase que antecede a entrada do idoso no lar, pode-se considerar que todos eles confluem num único factor - a perda de autonomia. Esta pode ser de natureza física, mental, económica ou social. Enquanto os indivíduos não enfrentam uma situação que os torna dependentes dos serviços, apoio ou companhia prestados por outros não se levantam questões conducentes ao internamento do idoso. Considerando o estado de dependente como uma condição individual que implica algum tipo de incapacidade e produz a necessidade de ajuda (cf. Kalish, 1996: 156), pode-se considerar existir dependência física sempre que o funcionamento biológico diminui ou impossibilita a realização normal das actividades diárias como, por exemplo, andar. A dependência mental ocorre quando, por problemas no sistema nervoso central, se verificam alterações ao nível da memória, da orientação e compreensão dos fenómenos. A dependência económica é bastante vulgar, dadas as reduzidas reformas da maioria dos idosos em Portugal, vendo-se dependentes em muitos casos das ajudas familiares. A dependência social é muito frequente nos indivíduos que sofreram a perda de uma pessoa importante na sua vida (como, por exemplo, a morte do cônjuge) ou da rede social a que estavam ligados (provocada pela mudança de residência ou o abandono do emprego) (cf. Kalish, 1996: 156-157). A perda de autonomia apenas conduz ao internamento do idoso num lar, se os serviços, o apoio ou a companhia de que necessita não são satisfeitos de outra forma [17].

O lar apresenta-se como uma opção para muitos idosos quando a família não pode ou não os quer apoiar, quando o apoio domiciliário é inexistente ou insuficiente (deve-se ter em conta as necessidades afectivas) ou ainda quando a sociedade civil não se encontra organizada no sentido de permitir a resolução de alguns dos problemas de dependência dos idosos. Ainda que as dificuldades económicas, o estado de saúde possam acelerar o processo de internamento, a razão não reside tanto nas circunstâncias que tornaram o

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indivíduo dependente, mas sim na ausência ou na ineficácia das respostas dadas ao apoio necessitado. A este respeito, Grandall conclui também que não é a falta de saúde a variável determinante para o ingresso das pessoas nos lares, mas sim a falta de apoio social (cf. 1980: 310) Tal como se terá oportunidade de referir, o período que antecede a entrada no lar engloba uma situação intermédia que constitui uma tentativa de dar resposta a perda de autonomia do idoso. Este mesmo autor refere que grande parte das pessoas que dão entrada num lar viveram anteriormente com familiares (cf. Grandall, 1980: 310 e Williamson et al., 1980: 286). A deslocação para a casa de um filho ou outro familiar, para o hospital, a permanência em casa própria com o apoio dos serviços domiciliários ou dos vizinhos ou familiares, são algumas das soluções intermédias encontradas. Estas resultam durante um maior ou menor período de tempo, que retarda mais ou menos a entrada no lar. Contudo, se os idosos actualmente se encontram internados num lar, é porque as circunstâncias se alteraram ou a tentativa de solução encontrada não resultou [18]. Conflitos familiares e agravamento do estado de saúde podem estar na origem do insucesso de algumas das respostas intermédias referidas.
 
O ingresso no lar constitui um momento fulcral na vida dos idosos, na medida em que constitui uma mudança, grande parte das vezes brusca. Com a entrada no lar, o idoso é destituído, ou pelo menos afastado, das suas habituais funções de pai/mãe, avó/avô, etc., para assumir, quase exclusivamente, o papel de utente. É atribuído ao idoso um novo estatuto que difere de forma bastante clara do estatuto desempenhado até então. Esta mudança pode mesmo constituir uma violência para o indivíduo.

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5 - O LAR: UMA INSTITUIÇÃO TOTAL?
A análise atenta da estrutura do lar, da forma como o quotidiano se processa, demonstrou que o modelo teórico desenvolvido por Goffman relativamente às instituições totais é também pertinente para a análise deste tipo de instituições destinadas a acolher pessoas idosas (cf. Goffman, 1993: 11). Neste sentido, julga-se ser possível considerar que o lar de Vila da Pena apresenta algumas das características que Goffman atribui às instituições totais.

As instituições totais são estabelecimentos sociais onde o encerramento e a separação face ao exterior se fazem sentir de forma muito evidente. Para Goffman: "Uma instituição total pode ser definida como um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada." (Goffman, 1992: 11) Esta definição inclui sob a mesma denominação instituições totais com características diferentes. Goffman distingue cinco tipos de instituições totais [19]. Instituições totais criadas para tratar de pessoas que se consideram incapazes, mas que não constituem uma ameaça para a sociedade (como por exemplo casas para cegos ou para idosos); instituições totais criadas para cuidar de pessoas incapazes, mas que constituem uma ameaça, ainda que involuntária, para a sociedade (sanatórios, hospitais psiquiátricos, etc.); instituições totais que protegem a comunidade de perigos intencionais (prisões e campos de concentração); instituições totais utilizadas para a realização mais adequada de determinadas tarefas (colégios, campos de trabalho, etc.); e por último os estabelecimentos destinados a servir de refúgio da sociedade (conventos).

As instituições totais referidas, ainda que apresentem algumas diferenças significativas, comungam de um conjunto de características que as coloca sob uma mesma denominação. É desta forma possível, tendo por base a noção de tipo ideal, estabelecer um conjunto de elementos caracterizadores das instituições totais. Pode-se resumir a seis as características gerais das

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instituições totais [20]. Como primeira característica, considera-se o facto de uma qualquer instituição total possuir uma barreira (física ou psicológica) que impede, ou pelo menos dificulta, as interacções sociais com o exterior. Neste sentido, surge um segundo elemento caracterizador das instituições totais. Os frequentadores destas instituições, tendo dificuldade em manter relações com o exterior, vêem-se na contingência de passar grande parte do seu tempo, quando não a totalidade, no espaço institucional. Não só as tarefas são realizadas no mesmo espaço físico, como ainda estão subordinados a uma autoridade tendencialmente manipuladora e centralizada. Assim, a terceira caracteristica das instituições totais refere-se ao facto de possuir uma autoridade que se estende por toda a instituição, sendo a única responsável pelo controlo de todos os mecanismos institucionais. O quarto elemento característico das instituições totais está relacionado com o facto de todas elas serem racionalmente calculadas para a realização de um determinado objectivo ou fim. A forma como a instituição está organizada para atingir determinado fim pressupõe a imposição de uma cultura institucional. Este é um elemento fundamental se se tiver em conta uma última característica das instituições totais. Estas impõem uma cultura, que constitui uma contravisão do mundo, que coloca os frequentadores numa posição de distanciamento em relação à cultura institucional (cf. Goffman, 1991: 115-1 17). Segundo Goffman, o que distingue uma instituição total de outra é precisamente o facto de cada uma delas apresentar em graus diferentes as características gerais referidas (cf. Goffman, 1992: 17). Neste sentido, e consoante os objectivos ou o tipo de recrutamento, as instituições podem ser mais ou menos fechadas à interacção, mais ou menos manipuladoras dos indivíduos, etc.

Segundo a abordagem apresentada, o lar apresenta um conjunto de características que o assemelham de forma bastante clara a uma instituição total. Contudo, importa destacar algumas particularidades deste tipo de instituição que o diferenciam de instituições como as prisões, conventos, etc. O lar pode ser entendido como uma instituição total criada com o objectivo de acolher idosos que não se bastam a si próprios, ou que, pelo menos, se

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estão a aproximar dessa situação. É um local de residência onde permanece um grande número de pessoas (cerca de 70 a 75 utentes) numa situação semelhante, submetidos a um quotidiano formalmente administrado, de certa forma separados da sociedade mais ampla e com uma tendência para o fechamento. Refira-se que esta última característica do lar enquanto instituição total resulta, não tanto de medidas coercivas impeditivas da saída dos utentes, mas antes da sua vontade, dos seus problemas de saúde e ainda das deficiências na estrutura do lar. A separação em relação a família e ao local de residência de onde o utente é oriundo reforçam também esta tendência ao fechamento. O abandono de um conjunto de rotinas quotidianas e o afastamento do contexto espacial e de objectos pessoais imbuídos de significado para os idosos constituem alguns dos factores que tornam o ingresso no lar um momento crítico para a maioria dos utentes. A acompanhar este abandono, o utente terá que se adaptar a um conjunto de rotinas quotidianas normalizadas por regras impostas formal e informalmente, o que reduz, em muito, as possibilidades de os idosos organizarem o seu quotidiano de forma personalizada. Os horários das refeições, de entrada e de saída do lar são regras fundamentais que a instituição impõe aos idosos e que estes devem cumprir, organizando o seu quotidiano em função destes marcos temporais. O lar de idosos tem uma particularidade ao nível do fechamento e totalitarismo da instituição. O período que os utentes passam na instituição corresponde, para a grande maioria dos indivíduos, a Última fase da sua vida. O lar é o local onde estes idosos encerram o seu ciclo vital. Na generalidade das outras instituições totais verifica-se habitualmente a saída das mesmas no final de um determinado período de tempo. Tal não se verifica para a maioria dos idosos residentes no lar. O carácter fechado da instituição fica desta forma reforçado pelo facto de as expectativas de abandonar esta instituição serem muito reduzidas. O lar, como se terá oportunidade de verificar, é aceite por muitos idosos como a "última morada antes de ir para o cemitério." Há a consciência que a última etapa da vida será passada nesta instituição [21].

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6 - O QUOTIDIANO

"Passamos os dias aqui sem fazer nada. Estamos para aqui sentados a olhar uns para os outras não sei a fazer o quê. A fazer passar o tempo. Não estamos aqui a fazer nada, só a embaraçar. Mais valia o Senhor levar-nos." (D. Carminda)

O quotidiano do lar é muito repetitivo e monótono. Os dias, as semanas e os anos passados no lar assemelham-se uns aos outros, não apresentando grandes variações. No entanto, verificam-se algumas diferenças entre os dias da semana e os finais da mesma. O menor número de funcionários de serviço e um número de visitas francamente maior são as mudanças mais assinaláveis. As maiores diferenças surgem quando se celebra alguma festividade anual (Natal, Páscoa, Magusto, etc.). Estas quebram de uma forma esporádica a rotina diária do lar. Apesar disso, a maioria dos utentes não apresenta uma participação activa nos eventos. A ausência dos familiares mais próximos ou amigos mais chegados causa alguma tristeza nos utentes, que se torna mais visível nos dias de comemoração de festividades anuais. A ausência de actividades organizadas pela instituição confere ao utente a liberdade de ocupar o tempo da forma que desejar, mas mantém-no também numa situação de passividade e desmotivação para levar a cabo acções ou actividades organizadas para proveito próprio ou em prol de outros utentes.

Foi possível verificar uma distinção clara entre os percursos diários dos utentes que têm autonomia para se deslocarem e realizarem as tarefas diárias e aqueles que estão dependentes do apoio das funcionárias ou de outros utentes. O estado de dependência física permite compreender, não só a forma como os utentes organizam o seu quotidiano, mas também o estado de ânimo dos mesmos. Pode-se distinguir, de uma forma genérica, os utentes que assumem um comportamento passivo e aqueles que, pelo contrário, têm um comportamento activo (isolado, conjunto ou de colaboração). O tipo de comportamento encontra-se relacionado com uma multiplicidade de factores, dos quais se destaca o estado de saúde, o nível de autonomia e a forma como a adaptação ao lar se está a processar. A forma como os utentes vivenciam a sua permanência na instituição é muito diversa. Assim, a participação conjunta numa mesma situação - a residência no lar de Vila da Pena - não implica necessariamente uma partilha de experiências semelhantes.

O conhecimento dos percursos de vida dos utentes e das circunstâncias em que o seu ingresso se processou, permitiu analisar e compreender a forma

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como estes vivenciam e interpretam o internamento no lar. Desta forma, algumas das particularidades que individualizam cada um dos percursos de vida dos utentes reflectem-se nas suas experiências de vida no lar de Vila da Pena. Hábitos diários distintos, disparidades nos níveis culturais e de educação, trajectórias profissionais e familiares diferentes e facilidades e dificuldades diversas ao longo do percurso de vida, traduzem-se na vivência diária do lar e no tipo de comportamento assumido. As diferenças que distinguem e individualizam cada um dos utentes podem ainda ser constatadas na forma como estes se adaptam ao lar, no tipo de relação que estabelecem com os outros utentes, com os seus familiares e ainda na atitude que têm face à morte, à velhice, e aos lares de uma forma geral. Contudo, não convém esquecer a já referida importância da dinâmica estrutural que condiciona e influencia, em grande medida, a vivência no lar. Esta limita, em certa medida, a possibilidade de resposta dos utentes. Verifica-se assim uma tensão entre os condicionalismos estruturais e a forma como, individualmente, as situações são vivenciadas e percepcionadas pelos utentes.
 
7 - AS INTERACÇÕES…
A experiência de velhice no lar de idosos de Vila da Pena consubstancia-se num mundo intersubjectivo de interacções que decorrem na instituição entre os utentes, entre estes e os seus familiares e ainda com os funcionários da instituição. A análise cuidada e atenta do quotidiano no lar tornou bastante clara a importância que estas interacções assumem na experiência de velhice no lar.

7.1 - ... COM OS ELEMENTOS DA EQUIPA DE SUPERVISÃO
"Elas [22] são ao mesmo tempo mães e filhas para nós. São a nossa família." (Sra. Maria)
 
"Trata de nós como se já não prestássemos para nada. Acham que viemos para aqui porque ninguém nos quer." (Sr. Domingos)

"São uns chatinhos, nunca estão bem com o que têm, e acham que nós estamos sempre a roubá-los". (Uma auxiliar de internamento)
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A relação que os idosos estabelecem com a instituição passa, em grande medida, pelas interacções que estes estabelecem com os membros da equipa de supervisão. Quando se analisa estas relações, deve-se ter em conta que os elementos da direcção e funcionários com quem o idoso interage funcionam como uma equipa. Esta deve ser entendida como um "conjunto de indivíduos que cooperam na encenação de uma prática de rotina determinada." [23] (Goffman, 1993: 100) Elementos da direcção e funcionários procuram ter um desempenho conjunto conducente à prestação dos mais diversos cuidados aos utentes do lar.
 
A interacção entre equipas inclui a interacção face a face entre indivíduos que representam uma determinada equipa. A dinâmica social de uma instituição encontra-se assim polarizada em dois sistemas culturais que caminham juntos (cf. Goffman, 1992: 20). Um deles intrinsecamente ligado aos utentes do lar; o outro aos funcionários e direcção do mesmo. Verifica-se existir desta forma uma divisão básica em duas equipas em que cada uma possui um modelo de acção preestabelecido que desenvolve ao longo de um desempenho. A interacção estabelecida entre ambas as equipas parte de uma desigualdade de poderes bastante clara já que, como o próprio nome indica, a equipa de supervisão supervisiona e faz cumprir as regras institucionais. A coesão que caracteriza esta equipa faz com que funcionários e elementos da direcção contribuam, conjuntamente, para a obtenção dos mesmos objectivos. Pelo contrário, os utentes que compõem a equipa dos internados desempenham acções que se caracterizam por um grande individualismo, o que confere a esta equipa uma coesão ténue. A este nível foi possível constatar que as estratégias de adaptação dos utentes do lar, reivindicativas ou de aceitação são, em grande medida, estratégias individuais de intervenção. Os interesses e objectivos de ambas as equipas apresentam-se como basicamente contraditórios, mas também complementares. Os funcionários procuram prestar os mais diversos cuidados aos utentes. Os utentes esperam receber o apoio julgado necessário. A equipa de supervisão queixa-se das dificuldades de trabalho, do mau feitio e exigências desmedidas dos utentes. A equipa dos utentes, por seu lado, apresenta uma postura que se caracteriza por algum conformismo, não deixando, contudo, de se referir negativamente ao desempenho de algumas funcionárias.
 
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As auxiliares de internamento são os elementos da equipa de supervisão com quem os idosos têm um contacto mais próximo. São estas as responsáveis mais directas pelos cuidados básicos dos utentes, assim como pela transmissão e defesa do cumprimento das regras institucionais mais elementares. É no relacionamento entre estes elementos e os utentes que as divergências mais se fazem sentir. As acusações mútuas e descontentamento pelas atitudes de ambos torna o relacionamento bastante tenso. A observação diária do quotidiano do lar revelou que, da parte dos utentes, este descontentamento, as divergências e o desentendimento com as funcionárias é, grande parte das vezes, dissimulado. O receio de represálias e reduzidas expectativas relativamente às obrigações dos elementos da equipa de supervisão permitem, em parte, compreender este tipo de atitude. Algumas funcionárias demonstram, contudo, uma grande dedicação e afeição pelos idosos, não se devendo, por isso, estabelecer generalizações a este nível. Neste sentido, a ausência de críticas ao serviço prestado pelas funcionárias corresponde, em algumas situações, a manifestação clara do bom relacionamento. As relações que os idosos mantêm com os elementos da equipa de supervisão em geral (funcionárias, enfermeira e médico) têm também uma componente fiduciária importante. Os utentes procuram retribuir os serviços prestados por estes elementos, oferecendo algum dinheiro ou, em alguns casos, prendas. Este mecanismo funciona como uma gratificação, mas também como o meio de garantir uma maior atenção, por parte das funcionárias, as suas necessidades, permitindo um relacionamento menos conflituoso.

As relações dos utentes com a directora do lar, ainda que menos frequentes relativamente àquelas que se estabelecem com os outros elementos da equipa de supervisão, assumem uma importância fulcral. A resolução dos problemas mais complexos e decisivos são solucionados por este elemento da direcção do lar, considerado por alguns utentes como "Mãe". Alguns utentes, todavia, acusam a directora do lar de ser muito benévola na forma como impõe as regras na instituição.
 
7.2 - ... ENTRE OS UTENTES
"Aqui no lar somos todos amigos" (Sr. Alfredo)

"Não tenho amigos, os amigos ficaram todos na minha terra, aqui somos todos inimigos" (Sr. Albertinho)

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"Conheci o Alexandre aqui no lar. Já nos casamos há 3 anos. Fazemos companhia um ao outro. Ajuda a passar o tempo" (Sra. Madalena)

As relações mantidas entre os utentes constituem um outro elementos fundamental, constitutivo da experiência de velhice no lar. Relativamente a este tipo de relações, foi possível verificar que a proximidade física não corresponde, na maioria dos casos, a uma proximidade afectiva. A conflitualidade constitui-se como um elemento preponderante nas relações que os idosos mantêm entre si. Alguns dos motivos a partir dos quais se desencadeiam relações de conflito entre os utentes encontram-se relacionados com a convivência, num mesmo espaço, de um grande número de pessoas com níveis culturais, de educação e hábitos diferentes - nomeadamente de higiene - sem grandes possibilidades de constituírem espaços privados onde possam permanecer ao abrigo do olhar dos restantes utentes. A maioria das pessoas está mesmo obrigada a partilhar o quarto onde dorme e a mesa onde toma as refeições sendo, desta forma, coagida a conviver de perto com pessoas com as quais tem muito poucas, ou quase nenhumas, afinidades. As difamações, as acusações de roubos e desconfianças são sentimentos que permeiam as relações estabelecidas entre os utentes. De uma forma geral, as relações conflituosas ficam-se pelas acusações e insultos mútuos. Foi, todavia, possível presenciar um acto de agressão física decorrente, precisamente, de uma relação de conflito.

Não se julgue, contudo, que no lar os idosos mantêm apenas relações de conflitualidade. Ainda que este tipo de relações seja uma característica bastante clara da vivência institucional, foi possível registar relações de amizade, cooperação e afectivo-sexuais muito intensas. Relativamente às relações de amizade, importa destacar que alguns utentes consideram que a convivência com um grande número de pessoas aumenta as possibilidades de se manterem relações de amizade. O lar apresenta-se assim, para alguns idosos, como um local propício para estabelecerem relações de amizade, numa altura da vida em que muitos deles viram a sua rede de contactos muito reduzida. Estas relações têm a particularidade de se manterem apenas entre um número reduzidos de utentes, predominantemente do mesmo sexo, que evitam, desta forma, ser acusados de manter outro tipo de relações (do tipo afectivo-sexual) com outros utentes do sexo oposto. Se a maioria dos utentes não refere o nome de nenhum utente com o qual estabelece uma relação de amizade, outros há que reconhecem um ou dois utentes como elementos com quem mantêm uma relação de amizade. Este tipo de relações tem como reflexo uma convivência
 
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diária próxima, ocupando ambos os mesmos espaços no interior do lar (cadeiras ou sofás juntos, passeios em conjunto, etc.). Uma outra característica relevante prende-se com o facto de as relações de amizade entre os idosos se caracterizarem por uma grande inconstância. Os laços de amizade apresentam, neste sentido, uma grande vulnerabilidade, que se traduz em frequentes zangas e no rompimento das amizades. Muitos consideram que não se pode confiar nos amigos do lar, uma vez que facilmente passam desta condição a de inimigos. Comparam este tipo de amizades com as que mantinham, antes de ingressarem no lar, com colegas de trabalho, vizinhos, e outras pessoas, considerando estas últimas insubstituíveis. As verdadeiras relações de amizade são associadas aos amigos de infância ou vizinhos, o que traduz a precariedade das relações estabelecidas no interior do lar. As relações de amizade verificadas no lar encontram-se intimamente relacionadas com a cooperação entre os utentes. O que as distingue, é essencialmente o facto de as relações de amizade se prolongarem para além do momento em que o apoio é prestado. As relações de cooperação, pelo contrário, estabelecem-se num momento preciso (altura em que a ajuda é prestada), com um objectivo específico. As relações de cooperação têm a particularidade de serem estabelecidas entre um utente que se encontra necessitado de apoio e outro que possui disponibilidade de lhe prestar o apoio desejado. De uma forma geral, o utente que presta a ajuda possui maior autonomia do aquele que é apoiado. Deslocação de cadeira de rodas, auxílio para levar à casa de banho, compra de produtos do exterior do lar e guarda de objectos, são alguns dos muitos auxílios prestados. Verificam-se muitas relações deste tipo entre utentes que partilham o mesmo quarto. De uma forma geral, a prestação dos serviços faz-se em troca de uma comparticipação monetária ou em géneros. Os familiares dos utentes a quem o apoio é prestado podem participar nessa contrapartida, no sentido de garantir que o mesmo continuará a ser prestado. O sistema de cooperação existente entre os utentes, no interior do lar, é uma das formas encontradas para estes se adaptarem às deficiências dos serviços prestados pela instituição.
 
As relações afectivo-sexuais constituem, como se assinalou, um outro tipo de relacionamento constatado. Estas relações estão associado a idades mais jovens o que coloca os mais idosos numa posição marginal. Apesar disso, foi possível constatar que o relativo afastamento da sociedade em geral e dos padrões de comportamento dominantes associados aos jovens, permite aos idosos assumir, neste domínio, uma postura que possivelmente

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não assumiriam noutras circunstâncias. Verifica-se, no entanto, uma clara diferença entre as informações recolhidas nas entrevistas realizadas e aquilo que foi possível observar no quotidiano do lar. Nas entrevistas, os utentes procuravam manifestar a opinião que julgam mais adequada à sua condição de idosos, reproduzindo a ideia estereotipada que associa as relações afectivo-sexuais aos mais jovens, condenando-as nos mais idosos. Em contrapartida, a observação diária permitiu constatar que alguns dos que assumem este tipo de discurso, na prática, estabelecem relações afectivo-sexuais com outros utentes do lar. As utentes do lar assumem um maior recatamento ao referirem-se a questões relacionadas com este tipo de relações. Os utentes, pelo contrário, fazem frequentemente referência às suas competências e desejos afectivo-sexuais. Esta distinção traduz também uma ideia socialmente enraizada que condena de forma mais veemente as relações deste tipo nas mulheres idosas, sendo mais tolerante com os homens que se encontram na mesma condição. No interior do lar, os comentários da generalidade dos utentes relativamente aqueles que mantêm relações afectivo-sexuais revelam esta dicotomia. As utentes mais jovens desempenham um papel primordial a este nível, uma vez que são as parceiras mais procuradas pela generalidade dos utentes [24]. As funcionárias do lar são sejam bastante mais limitadas. Verifica-se, a este nível, uma distinção clara entre também muito apreciadas pelos idosos, ainda que as hipóteses de sucesso o desejo/expectativa e as possibilidades de concretização. De uma forma geral, tanto homens como mulheres consideram que os parceiros(as) disponíveis no lar não apresentam a "qualidade" desejada. A coabitação entre utentes pertencentes maioritariamente a uma mesma faixa etária, alguns deles com problemas de saúde e outros acusados de terem poucas preocupações de higiene pessoal, não constitui um estímulo ao estabelecimento de relações afectivo-sexuais. Os factores apontados são mesmo dissuasores deste tipo de relações. Os idosos residentes no lar não ambicionam contrair casamento com outros utentes, mesmos nos casos em que existe uma relação afectivo-sexuais estável e duradoura entre eles. As recordações de um casamento mal sucedido e o receio de perder o direito à reforma do(a) marido(mulher) são as principais razões apontadas para este facto. Ainda que a ocupação de quarto de casal seja apenas permitida para os utentes legalmente casados, a instituição assume uma postura de grande tolerância relativamente a generalidade das relações afectivo-sexuais mantidas entre os utentes. As
 
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maiores restrições são colocadas pelos utentes do lar que fazem questão de difamar aqueles que estabelecem relações deste tipo [25].
 
7.3 - RELAÇÕES COM OS FAMILIARES
"É melhor estar num lar, porque uma pessoa sozinha na casa não pode estar. Os filhos andam a ganhar a vida deles e não podem estar a tratar dos pais. Eu acho bem que eles faÇam a vida deles e uma pessoa não pode estar a estorvar." (Sr. Adélio)
 
"O meu filho, coitado, não me pôs aqui, fui eu que quis vir." (Sra. Estela)
 
"Os filhos deviam tratar dos pais quando estes ficam velhinhos, mas olhe, É assim. Agora está este decreto! Eles agora não tratam." (Sra. Luisa)
Uma outra vertente das relações estabelecidas pelos utentes, e que possui uma grande relevância ao nível das experiências de velhice no lar de Vila da Pena, está relacionada com as interacções que estes estabelecem com os seus familiares. Estas relações permitem manter a ligação a uma esfera de relações em que decorreu a parte mais significativa da sua vida, ligação que foi interrompida com o ingresso no lar. Os contactos com a família possibilitam que a desvinculação social provocada pelo internamento no lar não se efective de forma tão brusca. Os familiares constituem uma das referências sociais mais importantes para os idosos. Tal ficou bem patente pela frequência com que estes se referem à sua família ao longo das conversas mantidas. Todavia, a frequência dos contactos com a família fica muito aquém do desejo dos idosos. Os residentes no lar encontram-se numa situacão familiar caracterizada por alguma fragilidade. Na sua maioria viúvos ou solteiros, têm já o seu núcleo familiar parcialmente dissolvido. A relação que se estabelece com os filhos, no caso de existirem, ou com outros familiares próximos (principalmente sobrinhos), assume um carácter fundamental. É de destacar, ao nível das relações com os filhos, que um número significativo destes reside fora do país ou noutro distrito, que não o de Viana do Castelo - onde o lar está sediado. Ainda que o afastamento

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geográfico não justifique por si só a ausência de contactos com os familiares, este é, sem dúvida, um factor importante a ter em conta.
Os contactos com os familiares ocorrem por via telefónica, por correspondência ou ainda por visita ou deslocação a casa dos familiares. As visitas e a deslocação a casa de familiares são, contudo, as formas mais importantes de se estabelecerem relações. Contudo, o período de visitas é um momento aguardado com grande ansiedade e expectativa, muitas vezes defraudada pela não comparência da pessoa desejada. De facto, a frequência com que a generalidade dos familiares visitam os utentes do lar é bastante reduzida.
 
Independentemente da frequência dos contactos, é de referir que, de uma forma geral, os utentes do lar, num primeiro contacto, procuram transmitir a ideia de manutenção de um bom relacionamento com os familiares. Com uma relação mais próxima com os utentes foi possível constatar que o bom relacionamento, por vezes, não é mais do que aparente. Alguns idosos consideram mesmo que o elevado número de residentes nos lares se deve ao desinteresse dos filhos pelos pais. Contudo, quando particularizam a questão para os seus casos concretos, procuram deixar claro que a sua situação é diferente, não atribuindo aos filhos qualquer culpa. Ainda que alguns utentes o façam de forma mais categórica e explícita que outros, todos acabam por considerar que os filhos têm obrigações de reciprocidade geracional que devem cumprir. Os sacrifícios que os pais efectuam para criar os filhos deveriam, neste sentido, ser retribuídos pelos últimos aquando da velhice de seus pais, garantindo-lhes o apoio de que necessitam. Alguns idosos justificam o desinteresse que alguns filhos demonstram pelos pais precisamente pelo facto de estes não terem cuidado e prestado o apoio que os filhos necessitavam. Ser um "mau pai" ou "má mãe" pode justificar o incumprimento da reciprocidade. A maior autonomia económica e social dos filhos é um outro factor que permite diminuir a dívida destes para com os seus pais, situação bastante diferente da que se verificava quando os filhos tinham que permanecer em casa dos pais, onde estes os alimentavam e acolhiam. A herança constitui um elemento de grande importância ao nível da relação recíproca que se estabelece entre o idoso e os seus filhos ou familiares mais próximos. Alguns utentes julgavam mesmo que o facto de deixarem aos seus herdeiros tudo o que têm seria o suficiente para que estes lhes prestassem apoio na velhice. O ingresso no lar constitui, para muitos dos idosos, a constatação do incumprimento da reciprocidade, que julgavam obrigatória, da parte dos filhos. Este sentimento sobressai, por vezes de forma subtil, das conversas e comentários dos idosos. Esta relação recíproca é reconhecida
 
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pelos utentes como uma obrigação, apenas relativamente aos filhos. Os utentes sem filhos sentem-se resignados com o seu ingresso no lar, não remetendo para outro familiar a mesma obrigação inerente aos descendentes. Esta situação pode ser diferente nos casos em que o idoso que não possui filhos deixa todo o seu património acumulado a outra pessoa. Nestes casos, os utentes conferem ao herdeiro algumas obrigações que julgam que estes devem respeitar.
 
Os utentes consideram que a situação em que actualmente se encontram resulta de um conjunto de transformações sociais e pessoais que os afectam, assim como os seus filhos. Destacam a este nível as dificuldades económicas, a necessidade de emigrar, a dimensão das casas que dificulta a habitação conjunta de diversos elementos e ainda as alterações do sistema de segurança social. Alguns referem que a atribuição da reforma desresponsabilizou os familiares de lhes prestar o apoio necessário.
 
Os idosos, por um lado, compreendem a situação familiar impeditiva da sua permanência em casa dos filhos mas, por outro, manifestam-se descontentes com a solução encontrada, sentindo-se mesmo inconformados. A adaptação à nova situação é dificultada pelo facto de os idosos constatarem que os seus ascendentes, e mesmo amigos e irmãos, não tiveram necessidade de recorrer ao lar, porque alguém tratou deles. Sentem, assim, que são os "primeiros" a ter que recorrer a este tipo de solução. Alguns idosos consideram que, actualmente, o ingresso no lar é um processo irreversível, ao qual todas as pessoas terão que recorrer, dada a indisponibilidade generalizada dos familiares em prestar apoio aos familiares mais idosos. Há quem associe este processo ao fim da família enquanto unidade de solidariedade e apoio. Outros consideram que, apesar de se encontrarem no lar, a sua família não perdeu a unidade e solidariedade que a caracteriza.

8 - A MORTE - SUA PROXIMIDADE
"Eu quando vim para aqui é que morri" (Sra. Amália)
"Não tenho medo nenhum da morte. Quando vier, estou aqui para a receber" (Sr. Laurentino)
"O que eu mais peço ao Senhor é que me dê uma boa morte. Eu não tenho medo da morte tenho é medo do sofrimento que posso ter com ela" (Sra. Matilde)
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A carreira moral [26] dos internados do lar, decorrido o período de permanência no mesmo e as correspondentes interacções e estratégias de adaptação, termina, na maioria dos casos, com a morte do idoso. Esta é uma particularidade que confere um carácter muito próprio ao lar como instituição total. Ainda que a morte do utente seja o fim mais frequente para os utentes do lar, existem alguns idosos, ainda que poucos, que abandonam a instituiçáo antes de falecer. O descontentamento relativamente às condições proporcionadas pelo lar, a melhoria do estado de saúde que ocasionou o ingresso neste e uma maior disponibilidade por parte da família em prestar o apoio que o utente necessita são algumas das razões que levam ao abandono do lar. Mas, para a grande maioria, a entrada no lar é uma decisão irreversível. Ingressa-se para não mais sair. Este carácter, quase que fatídico, angustia alguns dos utentes, que procuram atenuar este sentimento com a esperança permanente de poderem vir a abandonar o lar antes de falecerem, para que possam terminar os seus dias junto das pessoas de que mais gostam.

A generalidade dos utentes do lar "convive de perto" com a proximidade inevitável da morte e com as questões com ela relacionadas. Esta temática tem uma importância crucial nas experiências de velhice dos utentes. A partir do momento em que os idosos ingressam no lar aguardam, de forma mais ou menos paciente, o dia em que vão falecer e abandonar, definitivamente, a instituição que os acolheu nos últimos tempos de vida (que podem ser mais ou menos longos).

A morte biológica que encerra a carreira moral da generalidade dos utentes é, muitas vezes, precedida por uma morte social. O ingresso no lar inicia ou

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torna mais efectiva a morte social do idoso, uma vez que o afasta da sociedade mais vasta, destituindo-o do desempenho de qualquer papel social, inclusive o de pai, mãe, avó ou avó. O mundo institucional passa assim a coincidir com a quase totalidade do mundo do idoso.
 
A vivência da morte por parte dos utentes do lar é diversa. Muitos idosos vivem de forma angustiada a aproximação da morte. Outros utentes, todavia, afirmam que não possuem qualquer tipo de receio da morte. A crença na vida para além da morte conforta alguns destes idosos, uma vez que acreditam que a sua conduta terrena lhes permite esperar tranquilamente a justiça divina. A dicotomia Céu e salvação/Inferno e condenação fazem parte das experiências de velhice. O medo do sofrimento que a morte pode implicar é a razão apontada, pela generalidade dos utentes, para justificar algum receio da sua proximidade. É frequente alguns revelarem o desejo de que a morte se apodere deles o mais rápido possível. Esta referência não corresponde, na maioria dos casos, aos seus reais e íntimos desejos. Os utentes procuram, com esta referência, demonstrar o descontentamento com a situação de vida em que se encontram, revelando um desinteresse por continuar a viver nestas circunstâncias. O suicídio não está nas perspectivas dos utentes do lar. O sentimento religioso que estes possuem condena este tipo de actos. Atribuem a Deus o poder de determinar o momento em que devem morrer.

A religiosidade e a tradição católica marcam uma presença muito evidente no dia a dia dos utentes do lar, principalmente no que se refere às utentes. Relativamente aos internos do sexo masculino, são menos os que demonstram uma prática religiosa frequente. Muitos são, contudo, os que revelam um sentimento religioso. Neste sentido, as orações e a dádiva de esmolas aos santos são alguns dos meios utilizados pelos utentes com o intuito de obter a absolvição dos pecados e de se prepararem para a morte. Pedem, nas suas preces, para terem uma "boa morte", com o menor sofrimento possível, e de forma a que possam ser salvos. Uma morte momentânea e rápida constitui o ideal de morte explicitado. Faz parte deste ideal que, no momento da morte, estejam acompanhados por quem mais gostam. Reconhecem tratar-se de um desejo de realização difícil, uma vez que se encontram a residir no lar e, por isso, afastados dos seus familiares.
 
0s utentes procuram preparar-se para a morte, não só em termos espirituais, mas também a um outro nível. Existem algumas condutas funerárias que procuram preparar. A roupa que desejam vestir, o cemitério

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para onde querem ir e a forma como pretendem distribuir a herança, são algumas das suas preocupações. Procuram explicitar os seus desejos à instituição, de forma a terem uma garantia de que os procedimentos fúnebres vão decorrer de acordo com o que desejam. Por vezes, é a família que se encarrega destes procedimentos, responsabilizando-se por esta garantia.
 
A morte de um utente no lar apresenta significados muito diferentes para a generalidade dos outros. Dependendo das circunstâncias da morte, e do falecido, as reacções podem ser mais ou menos saudosas. Por vezes, constitui apenas uma banalidade com a qual os utentes já estão familiarizados, não quebrando a rotina diária por isso. A relação de alguma frieza e indiferença entre os idosos justifica, em parte, estas reacções. Ao invés, e noutros casos, a participação dos utentes nos rituais fúnebres é maior (principalmente no caso de a instituição facilitar a deslocação), podendo ocasionar uma movimentação fora do normal, o que confere ao dia um carácter de excepção.

9 - COMO OS UTENTES AVALIAM O LAR

"Nós temos que nos conformar com a vida. A vida dá para isto, tem que ser assim. Temos que nos conformar. Nós temos quem nos dê de comer, nós temos quem nos lave a roupa, nós temos se quisermos quem nos faça a cama - graças a Deus ainda faço a minha. O que é que nos faz falta? Nós temos quem nos compre os remédios, nós temos doutor. O que é que nos faz falta? Não falta nada. Sabe o que é o nosso trabalho? É chegar a hora de comer e ir para a mesa e comer. É esse o nosso trabalho. O nosso trabalho é comer e dormir." (Sr. Amadeu)

Tendo em conta os objectivos que a instituição se propõe alcançar [27] e as expectativas dos utentes acerca do cumprimento dos mesmos, foi possível


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proceder a uma avaliação genérica da forma como o lar alcança, ou não, os objectivos propostos. Constatou-se que os utentes assumem, a este respeito, uma postura caracterizada por um certo conformismo. As expectativas relativamente àquilo que é obrigação do lar satisfazer, resumem-se, para os utentes, à satisfação das necessidades alimentares, de habitação e limpeza. Neste sentido, o lar proporciona as principais refeições, o local onde dormir e garante a lavagem da roupa e a limpeza da residência. Os serviços disponibilizados pelo lar vão de encontro às expectativas dos utentes. Todavia, a forma como os serviços são prestados é criticada por alguns utentes. O conformismo dos utentes dá então lugar à crítica e, em alguns casos, à contestação, quando no dia a dia os idosos são confrontados com situações concretas que lhes desagradam. A qualidade da alimentação, a forma como a limpeza é efectuada, a pouca dedicação das funcionárias e a ausência de uma fiscalização rigorosa, são algumas das falhas apontadas. Não existe consenso, a este respeito, pois alguns utentes contestam algumas destas críticas, considerando que se trata de exigências excessivas e despropositadas da parte de determinados idosos.
 
O lar tem ainda como objectivo proporcionar aos utentes um ambiente familiar, retardar a sua involução e favorecer as relações com a comunidade e os familiares. A análise das experiências de velhice no lar de idosos permitiu constatar que o ambiente vivenciado na instituição está longe de se caracterizar por um ambiente familiar. Os conflitos e desentendimentos dominam as relações entre os utentes. Os cuidados médicos disponíveis no lar são um serviço referido como vantajoso para os utentes. A rapidez com que o médico assistente efectua as consultas e a pouca atenção dada à generalidade dos idosos é, contudo, criticada. Ao nível das relações com a comunidade, a instituição não apresenta qualquer tipo de restrição à deslocação dos utentes ao exterior do lar. Todavia, a localização do mesmo, a falta de incentivo e os problemas de saúde dos utentes tornam a saída do lar como uma prática pouco comum para uma grande parte. A instituição não apresenta, entretanto, uma grande abertura à participação da comunidade e dos familiares na instituição. As entradas no lar são limitadas, tendo as pessoas que permanecer na sala de visitas e limitar-se ao horário
 
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institucionalmente determinado para o efeito. Não é, contudo, esta a principal razão para a frequência diminuta de visitas de familiares. Outras razões de ordem social e pessoal permitirão compreender melhor os reduzidos contactos mantidos pela generalidade dos utentes com os seus familiares. Porém, alguns utentes contactam periodicamente com os seu familiares, principalmente os filhos.

Na tentativa de avaliar as condições gerais proporcionadas pela instituição, importa destacar o facto de a generalidade dos utentes demonstrar o seu descontentamento com a situação em que se encontra. Os próprios utentes não imputam a responsabilidade à instituição em concreto. Um conjunto complexo de factores, dos quais se destacam as circunstâncias e as razões do internamento, permitem compreender de forma mais clara esta questão. A estrutura formal e organizativa do lar apresenta-se para alguns idosos como pouco satisfatória, sendo necessário uma reestruturação de fundo que não se compadece com restrições orçamentais e com o internamento de um número tão elevado de utentes. A formação dos funcionários e a diversificação das suas competências constituiriam importantes factores a melhorar. Seria necessário uma intervenção global mas também particular e, portanto, casuística, ao nível da comunidade em que o idoso estava inserido, limitando o número de pessoas que se vêm forçadas a recorrer ao lar. Paralelamente, as condições proporcionadas por estas instituições teriam necessariamente que sofrer modificações, no sentido de proporcionar um atendimento mais eficaz e personalizado. Apesar das reconhecidas deficiências, muitos dos idosos com quem foi possível contactar consideram que os lares são "um mal menor". Esta expressão traduz, da parte dos utentes, o desejo de permanecer noutras condições. A independência a diferentes níveis, a residência nas suas próprias casas e/ou na companhia dos seus filhos ou outros familiares com possibilidades de prestar o apoio desejado, afigura-se como a situação preferida. Não sendo esta possível, o lar apresenta-se como uma possibilidade que permite fazer face a algumas das necessidades mais elementares. Destaque-se, por fim, que alguns utentes encontraram nesta instituição uma melhoria das suas condições de vida.
 
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[1] Registo da entrada de um utente durante o trabalho de campo realizado no Lar de Vila da Pena.

[2] Sobre este assunto ver Fernandes, 1995 e Rosa, 1996.

[3] O Livro Branco para a Segurança Social apresenta um diagnóstico da situação nacional e avança algumas das medidas possíveis para fazer face à evolução da situação.

[4] Segundo o Diário da Republica, Ministério do Trabalho e da Solidariedade, Normas Reguladoras das Condições de Instalação e funcionamento dos Lares para Idosos, I Série-B, n.º 7, Despacho Normativo n.º 12/98, 25-2-1998: 767-774 um lar deve ser entendido como um estabelecimento onde são desenvolvidas "actividades de apoio social a pessoas idosas através do alojamento colectivo; de utilização temporário ou permanente, fornecimento de alimentação, cuidados de saúde, higiene e conforto, fomentando o convívio e propiciando a animação social e a ocupação dos tempos livres dos utentes."

[5] Sobre este assunto ver seguinte documentação: - Relatório preliminar: grupo de trabalho com o objectivo de analisar a situação dos idosos residentes em lares com fins lucrativos, no Distrito de Lisboa, publicado pelo Ministério do Emprego e da Segurança Social, Secretaria de Estado e da Segurança Social e Direcção-Geral da Segurança Social em Setembro de 1990 e Relatório. Avaliação dos Lares de Terceira Idade e da situação dos Idosos residentes em lares no Concelho de Lisboa, publicado pela DECO, Lisboa, em 1995.

[6] Em 1996, o número de lares cifrava-se em 805 e o número de utentes internados nestasinstituições era aproximadamente de 37844. Dados fornecidos pelo Instituto de GestãoFinanceira da Segurança Social: Dados físicos - Vol. II - Acção Social. Considerando as estimativas da população residente em 31 de Dezembro de 1995 pode-se afirmar que 2,7 % da população com mais de 65 anos encontra-se internada num lar de idosos. Importacontudo considerar estes dados como números aproximados, uma vez que alguns lares particulares funcionam clandestinamente, sem alvará, e por isso não são contemplados nos números apresentados pela Segurança Social. Sobre este assunto ver Perista, 1992 e Maia, 1985.

[7] Este lar encontra-se situado num dos concelhos do distrito de Viana do Castelo. Para além da atribuição de um nome fictício a localidade onde o lar se situa, também não é referido o nome do lar. Esta opção visa salvaguardar o anonimato de todos aqueles que de alguma forma estão relacionados com esta instituição. Esta é também a justificação para a atribuição de pseudónimos a todas as pessoas que, de alguma forma, se encontram relacionadas com a instituição e cujas declarações são apresentadas ao longo desta dissertação. E desta forma possível assegurar a confidencialidade dos participantes.

[8] Fairhurst, em contrapartida, considerou a diferença de idades como o principal entrave à sua investigação. Assim, os problemas que surgiram na investigação dos idosos são atribuídos, por esta autora, à diferença de idade, que explicaria a facilidade de aproximação às funcionarias do hospital onde efectuou o trabalho de campo e a dificuldade de manter contactos com os idosos (cf. Fairhurst cit. in Burgess, 1997: 97-98). Situação oposta foi a que se verificou no trabalho realizado no lar de Vila da Pena. Os contactos com os idosos foram bastante mais fáceis do que aqueles que se estabeleceram com as funcionárias.

[9] Foram entrevistados vinte e dois utentes, sendo catorze do sexo feminino e oito do sexo masculino. A facilidade de contacto e a acessibilidade constituíram um importante factor a considerar na selecção das pessoas entrevistadas. Deve-se ter em conta que nem todos os utentes contactados durante o trabalho de campo se encontravam em condições de poderem manter uma conversação prolongada. Tal impossibilidade deveu-se essencialmente a problemas de saúde. Uma vez que a questão de representatividade estatística não se revelava fundamental e indispensável, dado que se tratou de um estudo qualitativo que teve por base um trabalho de campo prolongado e intensivo durante o qual foi possível contactar com praticamente todos os utentes do lar e obter da parte deles as informações pretendidas, procurou-se ter em conta, na selecção dos utentes a entrevistar, alguns elementos julgados relevantes para a diferenciação dos mesmos e para uma análise mais global da experiência da velhice no lar de idosos. Assim, foram entrevistados utentes de ambos os sexos, em diferentes estados de saúde, com diferentes níveis de autonomia (desde utentes dependentes físicos na quase totalidade das suas actividades, até utentes que não dependem do apoio das funcionárias para a generalidade das tarefas diárias) e de adaptação ao quotidiano do lar (utentes que manifestam alguma dificuldade em se adaptar ao quotidiano do lar e outros que se adaptaram satisfatoriamente ao internamento no lar). Procurou-se desta forma obter uma pluralidade de discursos acerca da experiência da velhice no lar de idosos relativamente aos aspectos referidos, em função da diversidade dos utentes.

[10] Estas estavam relacionadas com três importantes períodos de vida dos utentes. No início, as entrevistas efectuadas centraram-se no período de vida dos utentes que engloba a infância, juventude e vida adulta. A relação com os pais e as suas actividades, a relação com os irmãos e outros familiares considerados importantes, a escolaridade e o início da actividade profissional foram alguns dos tópicos tratados. As dificuldades e facilidades proporcionadas pela vida em geral, a vida conjugal decorrente de um eventual casamento, o relacionamento familiar - nomeadamente com o cônjuge e descendentes - e a trajectória profissional e residencial, foram algumas das temáticas referenciadas nas entrevistas. O período que antecede o ingresso no lar foi outro importante período da vida dos utentes contemplado nas entrevistas. O destaque dado a esta fase da vida dos utentes surge também como uma tentativa destes referirem, de forma mais específica, as razões que os levaram a optar pelo ingresso no lar e a forma como todo o processo de entrada decorreu. O último periodo que se procurou destacar nas entrevistas é aquele que se inicia com o ingresso no lar. Foi abordado o quotidiano do lar - actividades, regulamentação, qualidade dos serviços e outros aspectos - e as relações que os idosos estabelecem entre si e com os funcionários e direcção da instituição. As relações que os utentes mantêm actualmente com alguns dos seus familiares constitui outra das temáticas abordadas. Outras temáticas acabaram também por surgir no decorrer das entrevistas e, dado o interesse e frequência com que eram referidas, constituiram importantes tópicos de análise. Considerações relativamente à morte, à velhice e aos lares de uma forma geral foram alguns dos temas referidos pelos utentes.

[11] À expressividade do indivíduo estão inerentes as expressões transmitidas e as expressões emitidas (cf. Goffman, 1993: 12). As primeiras incluem "os símbolos verbais ou os seus substitutos, que ele usa propositadamente e apenas a fim de veicular a informação que tanto ele próprio como os outros conhecidamente ligam a esses símbolos." As segundas incluem "o âmbito mais vasto da acção que os outros poderão considerar como sintomática em relação ao actor, contando-se que tal acção se realiza por razões diferentes da informação assim veiculada." (cf. Goffman, 1993: 12) É portanto controlando estas duas dimensões da sua expressividade que o indivíduo procurará suscitar no outro a impressão pretendida, a fim de que este último o trate como ele deseja. Evidentemente que as expressões transmitidas , baseadas na verbalidade, são mais fáceis de serem controladas e manipuladas por um indivíduo. Ao invés, as expressões emitidas compreendem aspectos mais dificeis de manipular e controlar.

[12] Sobre este assunto ver Bosi, 1995 e Fentress e Wickham, 1994.

[13] Bourdieu, a este nível, considera que a percepção do mundo social resulta de uma dupla estruturação: a um nível objectivo, porque é socialmente estruturado; e a um nível subjectivo, porque os esquemas de percepção e de apreciação exprimem o estado das relações de poder simbólico. Desta forma é possível, segundo o autor, um consenso mínimo sobre o mundo social (cf. Bourdieu, 1987: 158).

[14] Este pode ser entendido como um "sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona em cada momento como uma matriz de percepcão, de apreciação e de acções." (Tradução livre do original Bourdieu, 1972: 178)

[15] Considera-se importante acrescentar que, por vezes, o acesso à prestação de serviços não depende apenas de fracos recursos económicos, mas também de uma grande escassez e precariedade nos serviços disponíveis.

[16] Relativamente à reforma diversos são os autores que a analisam como factor determinante a ter em conta no percurso de vida de um idoso. A passagem à condição de reformado constitui-se como um momento, grande parte das vezes, desestruturante para um indivíduo. Sobre este assunto, ver Guillemard, 1986; Bazo, 1990; Fericgla, 1992; Bourdelais, 1993 e Casals, 1982.

[17] Existem idosos com maior grau de dependência do que os que se encontram no lar, mas que, apesar disso, não residem numa instituição deste tipo, porque encontraram a resposta aos seus problemas de outra forma.

[18] Deve-se ter em conta que a família é a grande responsável pela prestação de apoio aos idosos necessitados. Neste sentido, se mais idosos não se encontram em lares tal pode ser interpretado como uma resolução eficaz dos problemas de autonomia, quando estes existem por parte da família e serviços postos a disposição desta (ainda que de forma ineficaz e insuficientes). Não se deve contudo deixar de ter em conta que alguns idosos vivem em condições de grande precariedade. Assim, nem todos os idosos necessitados se encontram apoiados pela família ou outros. Alguns deles têm um diminuto grau de autonomia mas, nem por isso se encontram a residir num lar ou apoiados por outros serviços. Alguns destes encontram-se em suas casas em condições de grande carência.

[19] Esta classificaqão não pretende ser uma análise exaustiva e analítica da temática (cf. Goffman. 1992: 15-16). Deve por isso ser interpretada como uma simplificação metodológica da mesma.

[20] Goffman apresenta em 1956 na Fundação Josiah Macy Jr. uma comunicação subordinada ao tema das instituições totais. Neste trabalho, sistematiza um conjunto de seis características aplicadas, de uma forma geral, a todo o tipo de instituições totais. A comunicação encontra-se reproduzida parcialmente na obra Los momentos y sus hombres (cf. Goffman, 1991).

[21] Alguns idosos alimentam a esperança de que ainda poderão regressar a casa dos filhos ou outros familiares e desta forma não morrerem no lar.

[22] Refere-se aos elementos da equipa de supervisão.

[23] Goffman define prática de rotina como um "modelo de acção preestabelecido que se desenvolve ao longo de um desempenho e susceptível de ser apresentado ou representado noutras ocasiões" (Goffman, 1993 27)

[24] Importa considerar, a este nível, que a generalidade das utentes que residem no lar possuem idades inferiores às dos homens também aí residentes.

[25] Alguns utentes criticam a passividade e tolerância da instituição a este respeito, considerando que esta devia ser mais severa e restritiva.

[26] Carreira é o termo utilizado para designar "qualquer trajectória percorrida por uma pessoa durante a sua vida" (Goffman, 1992: 111). Partindo deste conceito, Goffman analisa a carreira moral do iniernado podendo esta ser entendida como uma sequência regular de mudanças que a trajectória vivida na instituiçáo, em que se encontra o internado, provoca no eu da pessoa (cf. Goffman, 1992: 112). Este autor analisou a trajectória de vida dos internados de um hospital psiquiátrico. Neste contexto, Goffman determina três fases na carreira moral dos referidos internados. ,Na primeira fase, o indivíduo encontra-se na posição de pré-paciente; na segunda, na de internado e, finalmente, na terceira na de ex-doente. Nesta perspectiva, Goffman considera que as instituições totais devem ser analisadas do ponto de vista do seu ciclo metabólico. Seguindo esta linha de análise, é importante considerar os antecedentes da entrada no lar, o processo de admissão, a entrada, a permanência e as suas múltiplas dimensões e finalmente a saída que de uma forma geral coincide com a morte do utente.

[27] "Lar" é o estabelecimento destinado a prestar assistência em regime de alojamento colectivo ou de permanência diurna de pessoas ou casais idosos que por razões de idade e carência de vária ordem não podem bastar-se a si próprias. São atribuições do lar: proporcionar habitação, tanto quanto possível em moldes familiares e assegurar a frequência durante o dia a utentes externos residentes na localidade; assegurar a satisfação das necessidades básicas; promover a estabilidade ou retardamento da involução própria das pessoas idosas; favorecer as relações com os familiares e com a comunidade. "Memória descritiva e justificativa", in Projecto de candidatura, assinado por Francisco Augusto Baptista, arquitecto da obra, a 10 de Outubro de 1997.