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O FENÓMERO DA PSICOACTIVIDADE. BREVES CONSIDERAÇÕES

Eunice Azevedo
Mestrado em Antropologia: Poder e Diferenciação.
Processos Contemporâneos - ISCTE

Sumário

O objectivo central do artigo consiste em dar conta de um estudo da autora no qual foram analisadas as vivências procuradas nas festas de dança, em termos de interacção simbólica expressa em novas redes de sociabilidade, e das crenças, gostos, interesses, papéis e comportamentos rituais que Ihes estão subjacentes, associadas a formas específicas de consumo das "culturas juvenis", com um particular ênfase nos fenómenos relacionados com o consumo de substâncias psicoactivas.

Abstract

The main aim of this paper is to bring to the public knowledge one study performed by the author in which was studied the quest for new experiences materialised by some types of dancing parties. These experiences were analysed in terms of the symbolic interaction between the participants, which is expressed in the new networks of socialising, and of the related belief and tastes, range of interests, roles and ritual behaviours. These patterns are associated to specific consumption habits of the 'juveniie cuitures", with particular emphasis to the aspects related to the consumption of psychoactive substances.

INTRODUÇÃO

No âmbito de uma investigação antropológica (dissertação de Mestrado) sobre as festas de Dance Music e o consumo múltiplo de substâncias psicoactivas que as caracteriza, nomeadamente de "drogas sintéticas': nas quais se incluem os comprimidos vulgarmente designados por ecstasy, tornou-se pertinente reflectir sobre a construção social do "problema-droga" esclarecendo, deste modo, o uso preferencial da categoria de substância

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psicoactiva em detrimento do termo "droga", para uma interpretação coerente da evolução do fenómeno da psicoactividade. Os objectivos fundamentais do estudo relacionaram-se com a análise das vivências procuradas nas festas de dança, em termos de interacção simbólica expressa em novas redes de sociabilidade, e das crenças, gostos, interesses, papéis e comportamentos rituais que lhes estão subjacentes, associadas a formas específicas de consumo das "culturas juvenis".

Os resultados obtidos tiveram como suporte empírico a participação nas festas mais importantes dos principais clubes de dança do litoral norte do país e a recolha de informações através da realização de 22 entrevistas semidirectivas (a 14 indivíduos do sexo masculino e a 8 indivíduos do sexo feminino), efectuadas entre Novembro de 1998 e Maio de 1999. As idades dos entrevistados variaram entre os 17 e os 30 anos e o critério de selecção assentou no seu envolvimento com a "cena das festas de música de dança" do litoral norte do país e o uso de material psicoactivo nos eventos. Os indivíduos foram recrutados através da técnica de "snowball". As informações recolhidas ao grupo de entrevistados não têm a pretensão de constituir uma imagem estatisticamente representativa dos participantes portugueses deste tipo de festas. Enquanto dados etnográficos, são o resultado do estudo de algumas componentes dessa população, com a finalidade de identificar os principais valores, conceitos e formas de abstracção que estruturam a sua acção colectiva.

A IMPORTÂNCIA ANALÍTICA DA CATEGORIA DE SUBSTÂNCIA PSICOACTIVA

A Organização Mundial de Saúde (WHO, 1993) propõe a seguinte definição para a palavra "droga": "...any substance that, when taken into a living organism, may modify its perception, mood, cognition behaviour or motor function".

Esta definição inclui o álcool, o tabaco e os solventes, excluindo as substâncias medicinais catalogadas como não-psicoactivas. O álcool e o tabaco, considerados como "substâncias" e não como "drogas", são relacionados com os grupos de "drogas" de uso ilegal pela sua potencialidade de provocar situações de dependência, o que acabou por dar origem ao seu controlo internacional.

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No entanto, assiste-se em certas partes do mundo, em particular nas sociedades ocidentais, ao facto de as "drogas" de prescrição médica constituirem a principal causa de abuso, não havendo estudos concretos que avaliem os seus efeitos nefastos a curto e a longo prazo. A história da (toxico)dependência é marcada por três períodos distintos (Nadeau cit. in Valentim, 1997: 82): um primeiro período até aos anos 30 do século XX, dominado pelo paradigma "unifactorial" em que a substância é o único elemento de explicação da dependência; um segundo periodo até aos anos 70, caracterizado pelo paradigma "bi-factorial" cujas explicações assentam na interacção entre substância e individuo e, finalmente, o paradigma actual que privilegia a importância da dimensão contextual/ambiental como factor explicativo, resultado da evolução das Ciências Médicas, em que o paradigma "bio-médico" tradicional dá lugar a um outro que passa a incorporar factores de natureza psicológica e, principalmente, social.

É da conjugação de três tipos de factores - a substância, o indivíduo e o contexto - que surge uma análise multidimensional, inter e transdisciplinar do "problema-droga", sendo assim reconhecida a complexidade dos necessários estudos longitudinais e meta-analíticos do síndrome da (toxico)dependência definida pela OMS (WHO, 1993) como "a cluster of physiological, behavioural and cognitive phenomena of variable intensity, in which the use of a psychoactive drug (or drugs) takes on a high priority. The necessary descriptive characteristics are preocupation with a desire to obtain and take the drug and persistent drug-seeking behaviour. Determinants and the problematic consequences of drug dependence may be biological, psychological or social, and usually interact".

Para Artur Valentim (1997: 82), a introdução do "social" e do "contexto" no paradigma de explicação do efeito "droga" conduziu a uma diversificação das abordagens e dos modelos de análise do fenómeno, que passaram a integrar com maior ou menor relevância o facto da relação substância-individuo se inscrever num determinado contexto sociocultural, caracterizado por variáveis como o estatuto social, o nível de educação, os grupos de interacção, os padrões familiares, a pertença sociogeográfica e todo o sistema de valores, crenças e atitudes sociais que moldam os comportamentos rituais de consumo dos indivíduos. Trata-se de uma visão construtivista (Berger e Luckmann cit in Valentim, 1997: 84) do "problema-droga", que concebe a dependência como um

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conceito socialmente construído, assente em julgamentos avaliativos baseados em valores, crenças culturais e sistemas políticos de proscrição que regem o funcionamento das sociedades. Nesta perspectiva, há que tomar em consideração as múltiplas e distintas relações que se desenvolvem entre os indivíduos, definidos como actores sociais porque sujeitos a contextualização social: as relações entre os indivíduos e as substâncias, as relações dos individuos entre si e com os "outros", mediadas pelas substâncias (Cohen cit in Valentim, 1997: 84).

O termo "droga" refere-se a um conjunto de substâncias introduzidas no corpo humano para propósitos não relacionados com a alimentação. Neste sentido, "droga" é diferente de "alimento". O seu uso contemporâneo abrange duas áreas de significado, aparentemente distintas: as prescrições médicas e os compostos químicos similares utilizados, principalmente, com finalidades hedonisticas.

Ambos são sujeitos ao controlo legal, seja o sistema de prescrição médica ou de penalizações pela sua posse elou utilização ilícita. Aliás, a Drug Control Conventions das Nações Unidas não reconhece a distinção entre "drogas" legais e ilegais, considerando que é o seu uso que pode ser definido como lícito ou ilícito (UNDCP, 1997). Até 1968, o uso de material psicoactivo em contextos não relacionados com a prática medicinal, tendiam a ser caracterizados como consumo abusivo de "drogas" ("drug abuse"). Esta terminologia começou a ser considerada demasiado ambígua, tendo sido substituída por "harmfull use", definida como "a pattern of psychoactive substance use that is causing damage to health (...) physical or mental" (WHO, 1993). A expressão "drug abuse", para alem de não ter em conta as diferenças entre os países em termos de atitudes e perspectivas culturais, não estabelece qualquer distinção entre o uso pouco frequente, habitual ou dependente de "drogas".

Na sua utilização comum, estas terminologias são frequentemente associadas a problemas de natureza médica e social, em função do uso de "drogas" por grupos de indivíduos cujos comportamentos são considerados desviantes, o que influencia o modo como as próprias substâncias são descritas e contextualizadas. De origem bastante recente e relacionadas, especialmente, com as sociedades tecnicamente desenvolvidas e capazes de criar e distribuir produtos

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químicos, estas definições não valorizam devidamente a imensa panóplia de formas como, ao longo da história da humanidade, substâncias orgânicas têm sido usadas com uma finalidade especifica: a busca de estados alterados de consciência. Como Andrew Sherratt (1995: 33) refere: "The deliberate seeking of psychoactive experiente is likely to be as old as anatomically (and behaviourally) modern humans: one of the characteristics of Homo sapiens sapiens".

A questão do "problema-droga" não nasce da existência de "drogas", mas do seu enquadrarnento político e legal. Se nos referirmos ao grupo de substâncias geralmente não catalogadas como "alimento" ou como "medicamento", mas que têm como característica comum o facto de serem psicoactivas, no sentido de que alteram com maior ou menor profundidade o estado de consciência do seu utilizador, reparamos que a definição destas substâncias como "drogas" devido ao seu uso ilegal, contradiz o facto de que muitos dos produtos mais consumidos no mundo como o álcool, o tabaco, o café, o chá, o chocolate ou até a folha de coca, possuem essas mesmas propriedades psicoactivas.

Apesar da legalidade da utilização de compostos como a cafeína e a nicotina (cujo estatuto está constantemente a ser questionado), as categorias do que é lícito ou ilícito não são rígidas nem estáticas. Algumas substâncias que hoje são de uso ilegal nas sociedades ocidentais, como o ópio, a cannabis, a cocaína e o LSD, por exemplo, podiam ser legalmente consumidas há não muito tempo atrás, verificando-se também o oposto. Para além disso, algumas substâncias são consideradas de uso ilegal numa dada cultura e não em outra.

A definição desta hierarquia farmacológica em termos da fronteira entre o que é de uso legal e ilegal, entre quais os estados alterados de consciência que são estimulados, permitidos ou proibidos, resulta de especificidades políticas, económicas e culturais assentes na necessidade de controlo social.

Os inúmeros estudos realizados neste domínio não têm privilegiado a análise dos contextos culturais e históricos em que as substâncias são utilizadas e, particularmente, qual o significado que estas possuem para os seus utilizadores. A atenção tem sido centrada mais nos aspectos farmacológicos e na questão da toxicidade, do que nos comportamentos e práticas sociais, ou seja, no que as "drogas" fazem ás pessoas e não no que as pessoas

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fazem com as "drogas" e nas razões (objectivas e subjectivas) porque o fazem. O uso convencional da palavra "droga" surge como uma categoria não-científica, uma vez que tende a incorporar juízos morais associados a uma matriz claramente institucional - um Estado com um sistema judiciário, policial e médico, ou mesmo uma força clerical devidamente estabelecida (Hugh-Jones, 1995: 48).

O seu valor depende, com frequência, do duplo contraste anteriormente mencionado. Por um lado, apesar das fronteiras entre o prazenteiro e o curativo tenderem muitas vezes a esbater-se, as "drogas" são definidas pela sua oposição aos "medicamentos" produzidos e prescritos legalmente por químicos e médicos para benefício da saúde dos seus utilizadores, sem qualquer propósito recreativo. Por outro lado, as "drogas" opõem-se também aos "alimentos", relacionados com a função de "nutrição". Esta diferenciação entre "drogas", "medicamentos" e "alimentos" tem uma história recente e confina-se as sociedades industrializadas. Os estudos antropológicos têm demonstrado a íntima relação que outras culturas estabelecem entre os alimentos e as substâncias com propriedades medicinais que, para além do seu valor nutricional e dos seus efeitos fisiológicos, evidenciam o modo como os "alimentos", as "beberragens", as "drogas" e os "medicamentos" funcionam como veículos para a interacção social, constituindo sistemas de comunicação e de expressão dos valores sociais de todos os agrupamentos humanos (Hugh-Jones, 1995: 49).

A noção de substância psicoactiva apresenta-se como uma categoria de análise fundamental no estudo dos processos históricos e culturais de uma Antropologia atenta aos distintos fenómenos da psicoactividade humana. Possibilitando uma visão única sobre a vida-e a ordem social e política, permite compreender a origem e os padrões de consumo das diferentes substâncias, providencia novos olhares sobre os sistemas de expressão simbólica e ritual do poder e da sua distribuição, e o acesso às várias formas de vivência religiosa e os seus processos de secularização, ou seja, os modos como as substâncias se popularizaram e se dissociaram, total ou parcialmente, da experiência da religião (Goodman e Lovejoy, 1995: 229).

Assistimos, cada vez mais, no mundo ocidental a implementação de um conjunto de medidas globais que visam controlar o uso de algumas substâncias

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psicoactivas, como consequência do pânico social instalado que, apesar de poderem ser apontadas várias razões demasiado válidas para a sua existência, acabou por distorcer a nossa compreensão dos processos de mudança cultural. Partindo de uma base farmacológica que avalia os efeitos fisiológicos das substâncias como sendo prejudiciais ou inofensivos, conceberam-se distinções entre o que se designam por "drogas leves" e "drogas duras", e por "drogas legais" e "drogas ilegais". Estas distinções simplistas agruparam as substâncias em categorias de discurso que obscurecem o necessário debate alargado sobre o seu impacto na vida dos indivíduos e das sociedades em geral.

Na opinião de Andrew Sherratt (1995: 34), "... psychoactive substances can be seen as integral to the constitution of culture. They have been fundamental to the nature of sociality and an active element in the construction of religious experience, gender categories and the rituals of social life. No ethnografic or culture-historical account is complete without a consideration of these matters. They have been central to the formation of civilizations, the definition of cultural identities and the growth of the world economy. They are, indeed, peculiar".

Há que reconhecer que a discussão sobre estas questões não pode assentar no que é considerado ou não como aceitável, segundo modelos de análise reducionistas que apenas abrangem a vertente dos aspectos farmacológicos, psicológicos ou fisiológicos. As ideologias que governam o modo como pensamos o uso ilegal de substâncias psicoactivas derivam de numerosas contradições e revelam-se incapazes, nomeadamente, de ter em conta aspectos tão centrais como o prazer que decorre das alterações de consciência.

O princípio de um despotismo moral que sustenta que é inerentemente errado alterarmos o nosso estado de consciência através do uso de substâncias psicoactivas é algo de incoerente. O uso massivo de produtos químicos com propriedades psicoactivas tais como os hipnóticos, os tranquilizantes ou o famoso comprimido Prozac, escapam a essas considerações morais. Ora, se existe uma questão que merece atenta análise, é o facto de vivermos em sociedades caoticamente hipermedicalizadas. A ideia de que a "intoxicação" deve ser considerada um acto imoral, parece ter tido origem numa ética que valoriza o trabalho árduo, a disciplina e a

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organização requeridas pelo capitalismo industrial (McDermott et al., 1993: 241). Porque é que se assiste, então, nas sociedades ocidentais a constante propaganda do consumo de álcool, por exemplo?

Uma grande parte da população juvenil que usa substâncias psicoactivas está consciente destas contradições, por isso é pouco provável que tome como conselho a seguir "que é errado consumir ecstasy", quando as estatísticas mostram que o uso legal de tabaco e de álcool constituem muito maiores riscos para a saúde pública.

AS FESTAS DE DANÇA E O USO DE "DROGAS SINTÉTICAS": O EXEMPLO PARADIGMÁTICO DO ECSTASY

O avanço científico e tecnológico tem cada vez mais impacto sobre a produção de substâncias psicoactivas, em particular as designadas "drogas sintéticas", das quais se destaca o ecstasy (MDMA) e as demais ATS (Amphetamine-Type Stimulants) consumidas, principalmente, nas festas de música electrónica e computarizada.

A definição de "droga de designer" ou "droga" sintética é imprecisa, pois tende a englobar um grupo diverso de substâncias que começaram a ser consumidas, inicialmente com maior relevância no continente europeu, na década de 80, fundamentalmente com propósitos recreativos. As "drogas sintéticas" são produzidas em laboratórios, a partir de substâncias químicas e incluem produtos como os ansiolíticos, a metadona, as anfetaminas, a MDMA e o LSD. Se as medidas nacionais e internacionais de combate a produção de substâncias psicoactivas de uso ilegal estavam tradicionalmente relacionadas com a exploração de recursos naturais - as "plant-based Drugs" - como a cocaína, a heroína e a cannabis associadas a sua longa história de consumo, as "drogas sintéticas" são o resultado do desenvolvimento da indústria farmacêutica e um fenómeno do nosso século (Remberg, 1997: 38).

Originalmente, a expressão "drogas de designer" proposta pelo farmacologista americano Gary Henderson, foi utilizada para descrever os compostos químicos similares na sua estrutura e efeitos em relação a outras substâncias já existentes e sujeitas a restrições legais na sua produção, comercialização e consumo (Godinho, 1995: 63). Por conseguinte, o seu fabrico ocorre em

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laboratórios clandestinos, de modo a que as combinações químicas reconstruídas possam ser introduzidas no mercado, escapando ao controlo legal. Isto significa que as substâncias abrangidas por esta designação podem ser diferentes em sucessivas legislaturas, uma vez que as alterações dos quadros legais levadas a cabo por cada país podem conduzir a que certos produtos passem a estar regulamentados pela nova legislação nacional em vigor. No caso dos Estados Membros da União Europeia, certas áreas de acção estão sujeitas as convenções das Nações Unidas e aos regulamentos da Comissão Europeia. Actualmente, a designação de "drogas sintéticas" tornou-se mais abrangente e pode também incluir conhecidos medicamentos que começaram a ser comercializados no mercado ilegal, ou substâncias antigas que voltaram a reaparecer, depois de sujeitas a algum tipo de alteração química. A DEA (Drug Enforcement Administration) da América do Norte refere-se a estes produtos como "Controlled Substances Analogs", uma nomeação de carácter mais neutro que procura evitar uma desnecessária e subliminar publicidade destas substâncias (Calafat et al., 1998: 97). Os progressos tecnológicos marcam uma nova era no uso de produtos psicoactivos, caracterizada pela utilização de substâncias puras com princípios activos altamente poderosos e não das habituais misturas de compostos naturais e de síntese, e pela mudança de um uso instrumental para um uso absolutamente recreativo (Remberg, 1997: 39).

Na história das substâncias psicoactivas, nomeadamente das "plant-based drugs", a questão da distância entre as áreas de produção e os consumidores tem constituído um factor com importantes implicações nas rotas de tráfico e nos padrões de consumo. No caso das "drogas sintéticas", a produção pode ser ilimitada e ocorrer num pequeno laboratório doméstico na casa do nosso vizinho.

Verifica-se, também, uma alteração no sentido dado a utilização das substâncias sintéticas. Se outrora se usavam produtos farmacêuticos como meios para atingir um determinado fim - por necessidade terapêutica ou para potenciar a performance física elou intelectual, agora o uso da substância é um fim em si mesmo, na medida em que se procura experimentar os efeitos farmacológicos do produto químico. Para além das características da substância, o contexto em que ocorre o consumo, as motivações, as expectativas e as representações sociais do actor são os outros factores fundamentais que determinam o resultado final da experiência.

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Assistimos, hoje, ao surgimento de uma vastissima variedade de novas substâncias quimicas que invadem os mercados ilegais de produtos psicoactivos produzidos, exclusivamente, para propósitos hedonisticos. Dentro da categoria das substâncias de síntese, o grupo de estimulantes que partilham a estrutura química básica da anfetamina (as ATS), constituem o melhor exemplo para os problemas associados as " drogas sintéticas", como sejam a dificuldade no seu controlo legal e a passagem gradual de uma produção e consumo regulamentados, para uma produção e consumo ilegais e com características cada vez mais epidémicas. A substância psicoactiva 3,4 - metilenedioxi-N-metilanfetamina ou metilenedioximetanfetamina (MDMA) tornou-se mundialmente conhecida pelo nome de ecstasy, sendo também chamada por XTC, X, E, Adão, empathy, "droga do amor" [1] e por um vasto leque de designações que variam de acordo com o pais ou mesmo com a cidade em causa. Apresenta-se sob a forma de comprimidos ou cápsulas (em Portugal, muito raramente em liquido ou pó) com variadas formas, tamanhos, texturas e cores, gravados com diferentes desenhos, recebendo muitas vezes o nome do símbolo inscrito como, por exemplo: "Pomba", "Cifrão", "Trevo", "Super-Homem", "Maçã", " Coração", "Palmeira", "Playboy", "Dragão", "Tulipa", "Mitsubitchi", entre muitos outros. Em Portugal, recebeu também o nome genérico de "pastilha".

Note-se, no entanto, que nem tudo o que é designado por ecstasy contém necessariamente MDMA. A ilegalidade do fabrico e do uso da substância permite a sua falsificação e o recurso às mais variadas combinações quimicas. Daí, estarmos perante um fenómeno em que os consumidores desconhecem, por completo, qual o conteúdo do comprimido que se propõem ingerir. Nas entrevistas efectuadas para a investigação sobre as festas de música de dança realizadas em Portugal, os consumidores inquiridos não evidenciaram um interesse ou preocupação relevantes em saber o seu conteúdo específico, referindo-se globalmente a este tipo de substâncias como ecstasy ou "pastilha".

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Assim, foi também desta forma que os conceitos foram utilizados no estudo, designando todo o tipo de comprimidos que são consumidos no contexto das Dance Parties, independentemente da sua composição química. O termo ecstasy foi usado na sua acepção colectiva, fazendo referência a família de substâncias psicoactivas a que a MDMA pertence, as quais possuem uma estrutura molecular básica comum que pode ser modificada de modo a produzir distintas substâncias mais ou menos relacionadas entre si. Os resultados e as conclusões da investigação em relação ao consumo de ecstasy podem, portanto, ser extrapolados as demais substâncias do grupo das "drogas sintéticas", também chamadas "drogas de designer", "drogas de síntese", " drogas de desenho" ou "drogas de confecção". Outro aspecto essencial a considerar, prende-se com o facto de o estudo ter mostrado que os participantes de festas de dança apresentam um padrão de consumo recreativo de distintas substâncias psicoactivas, o que permitiu concluir que a ideia de que o ecstasy é consumido isoladamente não tem qualquer suporte empirico. A análise dos relatos das suas experiências e performances extáticas de fim-de-semana tem que, impreterivelmente, tomar este facto em consideração.

Os participantes de Dance Parties costumam consumir produtos psicoactivos antes, durante e no final dos eventos. Para além do ecstasy, no espaço das festas realizadas em Portugal são consumidas, principalmente, substâncias psicoactivas como o LSD, a cocaína, o álcool, o poppers (nitrito de amilo), a cannabis e o tabaco. Contudo, os indivíduos entrevistados não fizeram qualquer referência relevante ao seu padrão de policonsumo e as várias constelações psicoactivas presentes, tendo definido o ecstasy como o factor central de explicação de todas as mudanças do fenómeno das festas de dança consideradas negativas.

Os testemunhos recolhidos evidenciaram que o tipo de vivências que são procuradas nas festas de Dance Music assentam, principalmente, nas ideias associadas de "liberdade", de "diversão" e de "êxtase colectivo". Alguns entrevistados mencionaram, no entanto, que se notou uma acentuada alteração entre a experiência dos eventos nos primeiros anos após o seu aparecimento, em 1992-93, e o que se verifica no presente momento. Foi referido que tal mudança se deve, sobretudo, a percepção por parte de certos consumidores de ecstasy de uma cada vez maior adulteração dos comprimidos, pois o que agora circula em abundância no mercado, não seria mais do que speeds (anfetaminas), capazes de provocar estados eufóricos, mas não as sensações de harmonia e de empatia generalizada que no

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passado as primeiras "pastilhas" faziam sentir. Por outro lado, a oferta de ecstasy de má qualidade e de preço cada vez mais baixo, conduziu a que certos frequentadores de festas de dança passassem a consumir um maior número de comprimidos, pois o efeito é de curta duração e não proporciona a "libertação interior" que se procura. Este facto terá acabado por se traduzir numa mudança progressiva de atitude caracterizada, por vezes, por um ambiente marcado pelas imagens degradadas dos consumidores, resultantes do uso exagerado de distintas substâncias psicoactivas e não tanto pelo ideal inicial de hedonismo sofisticado.

Nota-se, de igual modo, por parte de certas organizações dos eventos, uma menor preocupação em proporcionar espectáculos de qualidade que não passem apenas pelas actuações dos Dj's [2] , mas também pela interacção "teatral" entre os animadores, as Drag-Queens [3] e o público, a escolha e a decoração do espaço da festa.

De qualquer forma, apesar de uma certa desilusão manifestada pelos frequentadores de festas de dança entrevistados face ao percurso que o fenómeno tem vindo a seguir, nomeadamente aqueles que acompanham a

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sua evolução desde a ocorrência das primeiras Raves [4] em Portugal, continua a verificar-se a sua grande adesão aos eventos de Dance Music e ao consumo de substâncias genericamente classificadas como ecstasy. Para além de uma atitude de partilha e de comunhão do mesmo estado alterado de consciência entre os participantes, visivel no modo como se processa a comunicação (fundamentalmente não-verbal) entre as pessoas neste tipo de festas, através dos movimentos eufóricos da dança, dos sorrisos, dos abraços, dos gritos e dos saltos ritmados que acompanham a batida frenética da música e em que "nobody is but everybody belongs" (Melechi, 1993: 32), verifica-se também que certos participantes procuram uma experiência de carácter mais individualizado o que, por vezes, resulta numa atmosfera um pouco afastada do espírito do começo, e em que "everybody is there but everyone for himself".

O uso de ecstasy remete, ainda, para a questão da existência de distintos padrões de consumo da composição em si mesma e também do seu uso associado a outras substâncias - o policonsumo, assunto que não será aqui explorado.

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A maior parte dos consumidores de ecstasy são os adolescentes e jovens que participam, habitualmente, em festas de Dance Music [5]. Embora os proprietários e os promotores de clubes de dança neguem este facto, o uso de ecstasy nas festas é essencial para que se crie o ambiente de pacificidade extática adequado. Para além da cannabis, o ecstasy é a substância psicoactiva que mais se consome neste contexto.

Os padrões de consumo de ecstasy podem variar entre a experiência única ou interrompida, o consumo esporádico, o consumo regular e o consumo compulsivo. Os motivos que levam a- que a experiência psicoactiva seja irrepetivel podem ser os mais diversos, no entanto, tratar-se-ão de situações bastante raras no domínio do uso de substâncias psicoactivas por uma população juvenil, como a abordagem empirica o demonstra. O consumo esporádico pode resultar de uma opção inicial consciente que considera ser esta a melhor maneira de usufruir da substância; ou da necessidade de diminuir o consumo em função das consequências físicas e psicológicas nefastas sentidas após utn periodo de uso mais regular ou mesmo compulsivo. Neste caso, a substância é consumida em ocasiões especiais associadas a realização de grandes eventos de dança ou as celebrações e festas do calendário. O consumo regular está relacionado com a frequência mais assídua das festas e com a dificuldade em participar nos eventos sem a utilização da substância, pois é considerada a condição sine qua non do acto de raving. O consumo compulsivo de ecstasy, embora pouco frequente, pode estar associado à necessidade de tomar uma maior quantidade do produto para manter o seu efeito, apesar de não se conhecer qualquer sintoma de privação, nem ser considerada uma substância viciante, tendo em conta a dimensão grandiosa do seu uso a nível mundial e os padrões de consumo de fim-de-semana em que habitualmente é utilizada. Contudo, praticamente todos os comportamentos se podem tornar compulsivos e excessivos em alguns indivíduos, levando-os ao uso diário de ecstasy durante longos períodos de tempo.

Como foi anteriormente referido, um dos aspectos essenciais relacionados com o uso de ecstasy e a indeterminação do conteúdo do comprimido. Os participantes de festas de dança entrevistados não manifestam um receio evidente em relação a este facto, considerando que no momento de

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consumo não há consciência do risco que daí pode advir, porque o sentido de aventura, a expectativa e a vontade urgente de sentir os efeitos imediatos da substância são elementos fundamentais da experiência. De acordo com os resultados das entrevistas efectuadas, entre as várias estratégias individuais adoptadas para lidar com a situação, revelaram-se como as mais interessantes a confiança depositada na pessoa que vende ou no amigo que faz a compra das "pastilhas"; a boa apresentação do comprimido, o seu preço razoável e dentro dos limites que, no momento, o mercado faz vigorar [6]; os comentários favoráveis que se fazem às "pastilhas" no próprio ambiente de consumo, pelas várias pessoas envolvidas. O tipo de ecstasy disponível para venda durante a festa é outro dos factores condicionantes, uma vez que a variedade da oferta e, consequentemente, a opção de escolha é sempre bastante diminuta. Por esta razão, muitos participantes preferem comprar as "pastilhas" antes de se dirigirem para o evento.

Estes resultados permitem compreender que os participantes de festas de dança não manifestam a intenção particular de comprar MDMA ou outro qualquer comprimido com uma composição sintética especifica mas ecstasy, o que é algo bem mais abrangente do que uma simples fórmula química. Aliás, mais do que comprar um comprimido de ecstasy, o que é pretendido realmente é adquirir uma "pastilha" - produto cujo uso permita experimentar sensações de euforia, de exaltação, de liberdade e de prazer extremos. A sua composição não constitui um aspecto relevante, desde que o comprimido cumpra a sua finalidade. Os utilizadores de ecstasy entrevistados concordaram com a ideia de que até gostariam de saber de que são feitas

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as "pastilhas", mas que não será por essa razão que irão deixar de consumir. O que importa é que a experiência seja, de algum modo, gratificante independentemente do conteúdo imprevisivel de cada comprimido. Na verdade, ninguém se interroga realmente sobre a questão do risco, pois isso iria provocar estados de dúvida e de avaliação do acto de consumo que poderiam acabar por impedir ou condicionar o "natural" desenvolvimento de toda a experiência psicoactiva.

Um outro aspecto curioso está relacionado com a identificação que certos utilizadores estabelecem entre um determinado tipo de "pastilha", em função do símbolo que apresenta, e o tipo de efeitos que o comprimido produz. Não sendo a sua composição química sequer questionada, são tecidas determinadas conclusões em função da sua imagem e de experiências passadas com o uso de comprimidos com o mesmo símbolo, que não têm que ser necessariamente iguais. Aliás, o mais provável é que não o sejam, pois o símbolo inscrito não é propriedade de ninguém, tratando-se apenas de um desenho inventado por um qualquer fabricante ilegal que pode ser utilizado e reproduzido por outro qualquer produtor clandestino de ecstasy [7].

Deste modo, há quern associe a "pastilha Pomba" a uma grande vontade de dançar e, principalmente, de conversar quer com pessoas conhecidas quer com estranhos; a "Trevo" a uma maior interiorização da experiência, dizendo que são "pastilhas para a cabeça"; ou a "Túlipa" a uma forte energia física e muscular. Estas associações são sempre resultantes da experiência individual

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de cada participante. Não há, portanto, qualquer relação "pastilha"-efeito consensual.

À semelhança das conclusões do estudo de Forsyth (1995) sobre a "cena Rave" em Glasgow entre os anos de 1993-94, no qual os indivíduos entrevistados também manifestaram opiniões subjectivas que relacionavam os efeitos produzidos pelo ecstasy apenas com o seu distinto aspecto exterior, é possível perceber que o acto de comprar um ecstasy está muitas vezes associado a um determinado conceito, como seja a apresentação externa do comprimido que, mais do que qualquer referência farmacológica, tende a ter implicações no resultado que o consumidor espera da experiência. Note-se mesmo que, dos participantes portugueses de festas de dança entrevistados, poucos foram os que sabiam pronunciar a sigla MDMA, e menos ainda os que tinham alguma ideia do seu significado. De facto, como refere Forsyth (1995): " When ecstasy is bought, it is a component of a life style that is being acquired, nota substance".

Estamos, assim, perante uma nova realidade social caracterizada por novos padrões de consumo ilegal de produtos psicoactivos que se apresentam, geralmente, sob a forma de comprimidos ou cápsulas e que diferem em vários aspectos das substâncias psicoactivas tradicionais, em particular, da heroína. A questão da novidade e da variedade dos produtos; a facilidade no fabrico, no tráfico e, especialmente, no uso, dada a ausência de qualquer procedimento complexo de consumo; os efeitos secundários considerados pelos consumidores como pouco relevantes; o preço acessível e os efeitos recreativos definidos como euforizantes e "empatogénicos", constituem o conjunto de aspectos que sustentam as representações sociais que foram criadas em torno destas novas substâncias. No entanto, a prática revela que não se trata de algo de completamente inofensivo e que, apesar do seu uso recreativo, estas substâncias tendem a ser relacionadas com outros tipos de produtos psicoactivos, não estando inclusive isentas de conduzirem a sua utilização compulsiva (Calafat et al., 1998: 13-14).

De um total desconhecimento, ou de um uso restrito por certos grupos minoritários, estas novas substâncias psicoactivas têm adquirido cada vez mais popularidade, e em menos de uma década tornaram-se num fenómeno sociocultural de escala quase planetária, com contornos cada vez mais complexos em inúmeros países, nomeadamente do continente europeu, exigindo do discurso académico contemporâneo uma atenta e contínua interpretação.

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BIBLIOGRAFIA

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[1] No contexto anglosaxónico, caracterizado por uma maior especialização e interesse no conhecimento da composição das distintas substâncias psicoactivas consumidas nas festas de dança, a designação "droga do amor" é frequente e correctamente atribuída a MDA (metilenedioxianfetamina), substância precursora da MDMA.

[2] No contexto das festas de Dance Music, o disc-jockey é o indivíduo que domina a técnica de mistura de discos (o djing) e que ocupa um lugar de grande centralidade e destaque nos eventos já que e ele que, através da sua performance, conduz os participantes a estados de grande animação. Assim, o Dj é, em grande medida, o responsável pelo sucesso da festa determinado em função da escolha e da mistura improvisada dos discos, que deve ser adequada aos desejos sonoros e rítmicos do público presente e as características do espaço onde ocorre o evento. São os Dj's que, cada vez com maior evidência, atraem as festas as pessoas que se identificam com o género de Dance Music que cada um adopta e com o seu estilo pessoal de actuar. Numa atitude de militância, muitos participantes deste tipo de eventos, deslocam-se de uma cidade a outra, percorrendo os quilómetros necessários para assistirem à actuação do seu Dj de eleição.

[3] Designação que se atribui aos indivíduos do sexo masculino que frequentam as Raves e os clubes de dança, usando roupas e maquilhagens exuberantes e extremamente femininas e que, por vezes, chegam a gozar perante a assistência de uma ambiguidade fisica/sexual capaz de confundir os presentes. Normalmente, são associadas aos travestis, mas recusam essa ligação. Representando personagens andrógenas, não têm a intenção de fisicamente se parecerem com as mulheres, manifestando antes uma vontade de caricaturar o imaginário da sensualidade feminina de uma era espacial e futurista. Muitas Drag-Queens são, hoje, contratadas pelas organizações de eventos de dança para trabalharem como animadoras das festas.

[4] A palavra Rave [ reiv ] significa "delírio" e é utilizada, principalmente, para designar as festas de música de dança realizadas fora do espaço convencional de um clubeldiscoteca, como seja um antigo armazém ou fábrica, e que sucedem durante noites e dias inteiros, reunindo um grande número de participantes. No início do fenómeno em 1988, no Reino Unido, a característica fundamental deste tipo de festas era a sua ilegalidade, o que originou o seu imediato controlo político e legal. A participação em Rave Parties pressupõe o acto de raving, que define a forma de ser e de agir dos seus frequentadores, habitualmente denominados por Ravers, baseada na construção de uma imagem estética sofisticada, no interesse permanentemente actualizado pelas "tecnologias do prazer" e na procura de experiências partilhadas da psicoactividade. A denominação Rave não constitui, no entanto, um termo ou um evento igualmente introduzido em diferentes países. A oferta deste tipo de festas varia de um pais para outro revelando-se, em alguns casos, outras possibilidades dos jovens se reunirem para dançar, de modo que a organização de Raves se torna menos necessária (Calafat et al., 1988: 55). Em Portugal, o termo Rave é por vezes utilizado para publicitar grandes eventos, inclusivé alguns realizados em discotecas se bem que, de um modo geral, os proprietários dos clubes de dança e as organizações das festas preferem atribuir nomes específicos a cada acontecimento como Dance Festival de S.João, Supersonic, The Dance Planet, Tecnolandia, Zippie House Party, entre outros. Independentemente do lugar de realização da festa de Dance Music, do número de pessoas envolvidas, e de o evento ser ou não designado por Rave, é visivel como os seus participantes concretizam, de igual modo, o acto de raving.

[5] Verifica-se, também, o uso da substância por alguns sectores da população mais jovem que frequentam regularmente jogos de futebol (Redhead, 1993: 10).

[6] Na fase do aparecimento do ecstasy no mercado ilegal de substâncias psicoactivas português, por volta de 1993, cada comprimido custava entre 5.000 a 7.000 escudos. A medida que se instalou um consumo mais alargado destas substâncias e se foram criando redes de tráfico dentro da Península Ibérica, o preço diminuiu. Em 1997/98, um ecstasy podia ser adquirido por cerca de 3.000 escudos. O preço de cada ecstasy na fonte pode variar de acordo com a sua qualidade e a quantidade comprada. Ou seja, quanto maior for a qualidade do produto mais caro este se torna, quanto maior for a aquisição mais barato é cada comprimido. O número de pessoas envolvidas no negócio é também determinante do seu preço final. Actualmente, o custo de produção de uma "pastilha" é de cerca de 40 escudos. Quando chega ao importador, o preço de cada comprimido pode variar entre 100 e 300 escudos. O revendedor compra cada unidade por cerca de 500 a 600 escudos, sendo finalmente vendido ao consumidor por um preço que oscila entre os 1.500 e os 2.500 escudos. A relação oferta/procura é outro factor que pode determinar o preço de cada ecstasy para o consumidor. Isto é, quando se verifica uma apreensão mais avultada o mercado retrai-se e o valor a pagar por cada "pastilha" aumenta.

[7] No início do consumo de ecstasy na sua ligação ao movimento da música de dança, o símbolo inscrito no comprimido servia para informar o consumidor do tipo de comprimido que adquiriu, em termos dos seus efeitos gerais. Mas a medida que o consumo se expandiu, os produtores e traficantes de "pastilhas" começaram a utilizar os desenhos dos comprimidos para criarem um mercado cada vez mais grandioso e lucrativo. Quando se grava um determinado desenho num comprimido que é colocado a venda no mercado ilegal e do qual se diz ser de boa qualidade, no dia seguinte aparecem comprimidos com o mesmo desenho mas compostos por ingredientes distintos. Em muito pouco tempo, se colocam milhares de comprimidos falsificados nas ruas. Por vezes, são os produtores que lançaram um novo ecstasy com um novo desenho, a fazer as suas próprias imitações. Assim, na primeira remessa produzem comprimidos com cerca de 140-150 mg de MDMA. Os consumidores são informados e de seguida toda a gente quer experimentar esse novo ecstasy que adquiriu uma boa reputação. Mas, a segunda remessa contém apenas 100-120 rng de MDMA e ninguém nota. Na terceira, a MDMA é substituída por MDEA (metilenedioxietilanfetamina) e na quarta os comprimidos são feitos de anfetamina ou de outros produtos perigosos. Este processo evolutivo de falsificação é algo já institucionalizado em vários laboratórios ilegais (Smith, 1995).