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EM TORNO DO CONCEITO DE MEDIAÇÃO: ALGUMAS IDEIAS DE BASE

Pedro Cunha
Universidade-Fernando Pessoa

Carla Lopes
Psicóloga do Trabalho

ABSTRACT
The main purpose of this article is to present the concept of mediation, to define its nature and basic characteristics, particularly those related to the typologies regarding the social phenomenon subject of study.

Although in a summarized manner, one also draws upon some of the main strategies and tactics of mediation. Finally, a reference is also made to the phases that a mediation process should accomplish in order to become a successful one.

RESUMO
O objectivo do presente artigo é o de procurar apresentar o conceito de mediação, definir a sua natureza e as características básicas, nomeadamente no que concerne as tipologias possíveis relativas ao fenómeno social analisado.

Do mesmo modo apresentamos, ainda que sumariamente, algumas das estratégias e tácticas de mediação. Finalmente, referem-se ainda as etapas que podem conduzir com eficácia um processo de mediação perspectivada na posição dos actores sociais envolvidos.

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I - INTRODUÇÃO
Nos dias de hoje têm-se vindo a verificar que as diferenças ou semelhanças entre os indivíduos e entre grupos aparecem como processos psicossociais cada vez mais importantes na gestão das relações interpessoais. Concomitantemente, tem-se vindo a presenciar que nas sociedades actuais vivemos cada vez mais com as diferenças, e, por conseguinte, com a necessidade de dialogar numa lógica que contrarie a facilidade com que se processa a escalada de um conflito.

Neste contexto, o conflito social aparece como parte integrante de uma qualquer relação e em praticamente todos os campos da vida social. Na perspectiva de Munduate Jaca e Riquelme (1998), o conflito pode entender-se como o impulsor de mudança social sempre que a sua gestão adequada permita estabelecer relações cada vez mais cooperativas.

Fernandez-Ríos (1996) apresenta uma definição amplamente integradora de conflito, caracterizando uma situação ou relação como conflituosa quando existem dois ou mais participantes individuais ou colectivos que, ao interactuarem, apresentam condutas internas e externas incompatíveis que acarretam o exercício do poder de um sobre o outro de modo a prevenir, obstruir, interferir, prejudicar ou tornar menos provável ou menos efectiva a incompatibilidade de objectivos, valores, posições, meios, estratégias ou tácticas, e num ambiente de ausência, livre interpretação ou transgressões de normas.

Não descurando o facto dos conflitos, independentemente da sua natureza e diversidade, poderem originar efeitos positivos ou negativos, torna-se exigível, quase que sem excepção, a sua resolução.

Assim sendo, nos últimos tempos tem vindo a ser atribuída crescente importância a análise da problemática da percepção na compreensão dos fenómenos conflituais.

Parece, pois, indiscutível que a negociação é válida para os indivíduos enquanto facilitadora na resolução de conflitos, independentemente da origem ou alcance dos mesmos.

Como refere Cunha (2000), do mesmo modo que encontramos conflitos inter-individuais, inter-organizacionais ou internacionais, entre outros,

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também poderemos pensar na existência de negociações em cada um desses níveis, obviamente contemplando as especificidades próprias de cada uma dessas situações.

Assim sendo, a mediação é, desde algum tempo, vista como um procedimento eficaz para resolver conflitos nas organizações (Lim & Carnevale, 1990). Visto que nestas últimas as relações são prolongadas e continuadas no tempo, há a necessidade de negociar com os mesmos actores várias vezes. Aqui, como em qualquer litígio, evidenciam-se as diferenças e surge uma dificuldade acrescida no que diz respeito a cooperação futura entre as partes (Folberg & Taylor, 1992).

Queremos, no entanto, salvaguardar que a negociação não se apresenta como uma panaceia universal, visto que nem sempre é adequada ou possível.

Desse modo, quando se analisa o processo negocial, podem existir diversas estratégias passíveis de serem utilizadas na resolução de conflitos e a negociação poderá não se cingir as interacções entre as duas partes envolvidas no litígio. E em grande parte das situações, a actividade negocial requer a intervenção de uma terceira parte neutra capaz de estabelecer diálogos e/ou pontos de entendimento e estaremos, então, perante a mediação.

Nesta linha de raciocínio, optámos por analisar esta forma específica de negociação, na qual o papel do mediador é o de auxiliar as partes a chegarem a um acordo, sem no entanto impor uma solução.

A mediação tem como premissa a conveniência das decisões entre as partes pelo mútuo consentimento e não como imposição. Assim, temos que o mediador tende a promover e fomentar a cooperação e a autodeterminação, no lugar da coacção e das decisões impostas.

II - CONCEITO DE MEDIAÇÃO
A mediação é equacionada, segundo Kressel e Pruitt (1 985, cit. in Serrano, 1996b), como a intervenção de uma terceira parte neutra que ajuda os intervenientes a alcançarem um acordo no decorrer da negociação. Dá-se destaque a capacidade do mediador para intervir, recomendar e fazer

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sugestões, sem nunca impor soluções ou tomar decisões vinculativas.

Nesse sentido, Moore (1986, cit. in Serrano, 1996b), entende-a como uma extensão do processo de negociação, destacando-se a atitude neutra e imparcial do mediador.

Serrano (1996b) diz que a discrepância entre estas duas definições não se centra tanto no conceito de mediação, mas mais na delimitação das funções, atitudes e comportamentos adequados do mediador que cada uma designa.

Folberg e Taylor (1992) definem mediação como o processo mediante o qual os participantes, juntamente com um terceiro elemento, negoceiam os problemas em disputa, com o objectivo de encontrarem opções, considerarem alternativas e chegarem a um acordo mútuo que se ajuste as necessidades das partes.

Serrano e Rodríguez (1993) pensam na mediação como um processo de resolução de conflitos, caracterizado especificamente pela presença e acçáo de uma terceira parte, distinta das implicadas directamente nesse mesmo conflito.

Serrano (1996a; 1996b) considera que a mediação poderá ser dividida em tipologias, tendo em conta o papel do mediador, forma de relação entre as partes e o contexto social de onde surge o conflito. Assim, no papel do mediador, encontramos a mediação activa (na qual o mediador intervém activamente, emitindo sugestões e desenvolvendo um plano de acção táctico e estratégico) e a mediação passiva (onde o mediador limita os seus esforços, fazendo com que as partes continuem a negociar;. importa mais a sua presença do que a sua acção). Pruitt (1981) refere que, dentro da mediação activa, podemos encontrar a mediação de processo, na qual o mediador pretende basicamente desenvolver nas partes condições de negociação e habilidades que facilitem o desenvolvimento da mesma, e a mediação de conteúdo, na qual o interesse primordial recai sobre os pontos ou problemas a tratar.

Esta classificação é idêntica à proposta por Touzard (1981, cit. in Serrano 1996b), que distingue mediação centrada na tarefa e mediação centrada nas relações pessoais. A relação entre o mediador e as partes constitui-se pela mediação contratual, na qual o mediador é contratado para cumprir a sua tarefa; e mediação emergente, onde entre as partes e o mediador existe um conhecimento ou relação prévia, que cria um clima favorável para o exercício

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da função de mediador. De igual modo, esta segmentação é visível em Pruitt e Carnevale (1993). O contexto social comporta a mediação formal, que pressupõe um processo estruturado, em que o mediador actua como representante de um organismo oficial; e a mediação informal, na qual o mediador é chamado a intervir e não representa necessariamente uma entidade específica (Bercovitch, 1991, cit, in Serrano, 1996a; 1996b).

Folberg e Taylor (1992), consideram que a mediação é uma alternativa a violência, a auto-ajuda ou ao litígio, diferindo dos processos de aconselhamento, negociação e arbitragem. É um processo que se centra na própria responsabilidade dos participantes, na tomada de decisões que influenciam as suas vidas. Genericamente, é um processo a curto prazo e não uma intervenção a longo prazo. É interactiva e não interpessoal.

Na tarefa de mediação, Moore (1986, cit. in Serrano, 1996a; 1996b) distingue um conjunto de papéis que não devem necessariamente ser tidos como alternativos, mas sim complementares ou conjuntos. O mediador deve ser um comunicador por excelência, procurando fazer fluir a informação do conhecimento, das necessidade e interesses das partes, com intuito de facilitar o diálogo de soluções integradoras. Da mesma forma, deverá ser bom legitimador, ou seja, proporcionar a realização de compromissos entre as partes, assim como estabelecer regras que validem esses compromissos por forma a evitar o retrocesso do processo negocial. Deverá também desempenhar o papel de facilitador do processo, estabelecendo em conjunto o procedimento negocial, a forma de abordagem dos temas, a estruturação das sessões, etc.. Face a negociadores pouco experientes ou pouco preparados para o processo negocial, o mediador deverá ser o 'tutor', uma vez que a falta de conhecimento sobre a dinâmica negocial impede frequentemente que os negociadores se mostrem participativos e confiantes, limitando a sua receptividade quer face ao mediador, quer face a mediação.

Serrano (1996a; 1996b) acrescenta a estes papéis um outro que considera fundamental para o exercício da mediação, que se define como o assumir da responsabilidade da proposta, já que muitas vezes é necessário tomar decisões que são difíceis para as partes em litígio, ou porque se trata de concessões pouco aceitáveis ou porque irão gerar problemas no seio de algum dos grupos em confronto.

O desempenho destes papéis não é arbitrário ou utilizado de forma caprichosa, mas depende de factores contextuais, de interesses do próprio

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ou das partes envolvidas. É neste sentido que Pruitt e Carnevale (1993) consideram que o contexto acaba por condicionar o comportamento do mediador (que deverá ser suficientemente flexível) e dos envolvidos no processo.

Um dos temas mais investigados em torno da mediação prende-se, essencialmente, com a questão da sua eficácia. Um processo de mediação pode ser tido como eficaz, se for susceptível de atingir um conjunto de objectivos quer a curto (metas alcançadas no momento em que a mediação ocorre) quer a longo prazo (resultados positivos) (Serrano, 1996a; 1996b). Nessa ordem de ideias, a eficácia da mediação depende de três factores (Serrano, 1996a; 1996b), que constituem algumas questões sobre as quais a investigação ainda se mostra pouco conclusiva (ver quadro seguinte).

Quadro 1 - Factores que influenciam a eficácia da mediação

Características do Mediador Natureza da Disputa Características das Partes
- Ser ou não imparcial - Intensidade - Motivação para o acordo
- Experiência - Problema de princípio - Compromisso com a mediação
  - Momento de intervenção do mediador - Disponibilidade de recursos
    - Equilíbrio de poder

A imparcialidade é um importante elemento no sentido de manter uma posição distanciada, rigorosa e não condicionada, no entanto, de acordo com a natureza do conflito, poderá ser imprescindível assumir uma posição de parcialidade. A experiência é vista por alguns autores como uma característica do mediador eficaz, já que desperta sentimentos de credibilidade e confiança; contudo, outros autores consideram que a experiência por si só não basta: têm em linha de conta outras variáveis como as competências pessoais e intelectuais (Serrano 1996a; 1996b).

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Investigações mostram que a mediação é mais eficaz quando o nível de conflito é moderado ou baixo; contudo, mostra-se ineficaz quando o mesmo é elevado. Não obstante, outros autores consideram que, quando o conflito é intenso ou de difícil resolução, a mediação é a técnica de intervenção adequada (Pruitt & Carnevale, 1993).

cit. in Serrano, 1996b). Nesta linha de raciocínio, convirá assinalar que Rubin (1981, cit. in Serrano, 1996b) considera que a intervenção do mediador deverá acontecer perante um estado de tensão elevado, já que é neste momento que as partes reconhecem a necessidade de uma intervenção de terceiros.

Vários autores têm apresentado características dos negociadores que podem ter relevância para o prognóstico da situação de mediação. De entre outras, salientamos a motivação, o compromisso, os recursos existentes e o equilíbrio de poder (Serrano, 1996a; 1996b).

Em suma, considera-se que a mediação é uma intervenção cada vez mais utilizada na resolução de conflitos sociais, que tem evidenciado uma notável eficácia (Pruitt & Carnevale, 1993; Serrano 1996a; 1996b). Ela poderá ser utilizada em diversos âmbitos, como por exemplo, nas relações laborais, em casos de separação e divórcio, nas relações internacionais/diplomacia internacional, na vida política, entre outras.

III - ESTRATÉGIAS E TÁCTICAS DE MEDIAÇÃO

Sendo a mediação um tipo de negociação específica, também ela possui um conjunto de estratégias e tácticas. Os negociadores consideram que muitas vezes é difícil chegar a um acordo por várias razões, entre elas as aspirações demasiado elevadas de ambas as partes e a hostilidade que pode nascer entre as mesmas. Por essa razão, a recente literatura sobre mediação aponta para a existência de uma panóplia de tácticas (Pruitt & Carnevale, 1993).

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Existe também, por isso, uma multiplicidade de tipologias de tácticas e de critérios subjacentes a intervenção do mediador, sabendo basicamente que este os utiliza para levar os negociadores a aceitarem a mediação, a confiarem nele e no processo de mediação.

Pruitt (1981), por exemplo, considera algumas tácticas, tais como: o humor (já que este contribui para reforçar a confiança do negociador, criar uma boa atmosfera, facilitando assim os acordos integrativos. É necessário, contudo, ter algum cuidado na sua utilização para não ferir susceptibilidades); o equilíbrio de poder (já que o mediador pode intervir no sentido de equilibrar o poder de ambas as partes, contribuindo para soluções mais equitativas); a pressão do tempo (que permite fixar prazos limite que levam ao aumento da capacidade de cedência; as atitudes recíprocas, já que o mediador pode intervir no sentido de melhorar as atitudes de relacionamento entre as partes, actuando como diluídor de estereótipos); e a comunicação entre os participantes, por forma a serem desenvolvidas soluções integrativas.

A decisão acerca das estratégias e tácticas a serem utilizadas em determinada situação depende de vários factores, daí que se pressuponha que o comportamento do mediador deve ser suficientemente flexível para poder ajustar-se a situação em que se encontra envolvido e ao conflito patente (Shapiro et al, 1985, cit. in Pruitt & Carnevale, 1993).

Carnevale (1986, cit. in Pruitt & Carnevale, 1993), no sentido de explicitar o que estaria na base dessas escolhas, desenvolveu uma tipologia de comportamentos do mediador, tendo em conta 4 estratégias básicas: (1) solução de problemas, que consiste em encontrar uma solução do tipo ganhar-ganhar (ou seja, solução mutuamente vantajosa); (2) compensação (que consiste em fazer com que as partes beneficiem com as concessões que realizam); (3) pressão (que consiste em fazer com que as partes cheguem a um acordo através de ameaças elou punições) e (4) inacção (quando se deixa as partes resolverem sozinhas o conflito).

IV - ETAPAS DO PROCESSO DE MEDIAÇÃO

Folberg e Taylor (1992) consideram que o processo de mediação deverá ser realizado em sete fases, de crucial importância, todavia permeáveis entre si. Neste sentido, a primeira etapa caracteriza-se pela criação de uma estrutura

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inicial e obtenção da confiança e cooperação das partes, fomentando a sua participação activa no processo. Esta fase é de crucial importância para o estabelecimento de uma relação facilitadora do processo de mediação. A segunda etapa consiste na descoberta dos factos importantes e na delimitação dos verdadeiros problemas (latentes e manifestos) por forma a apresentá-los aos participantes. Depois, numa terceira etapa, importa criar opções e alternativas de resolução, com base na colaboração das partes. A quarta etapa designa-se de negociação e tomada de decisões e consiste na cooperação das partes por forma a proporcionar a obtenção de um resultado vantajoso para as partes. Posteriormente, importa ainda levar a cabo um esclarecimento e a elaboração de um plano, isto é, criar um documento que assinale claramente as intenções das partes, as suas decisões e a sua conduta futura. O mediador deve ser a pessoa responsável pelo registo, organização e reflexão das decisões alcançadas. Da mesma forma, se os conflitos se relacionam com a sociedade em geral, é necessário realizar uma revisão e processo legal, como é o exemplo dos casos de separação e divórcio quando estes se processam em Tribunal. A última etapa será a concretização daquilo que foi acordado. Esta etapa ocorre fora do local onde a mediação se realizou e não requer a intervenção activa e contínua do mediador.

Todas estas etapas fazem parte de um processo geral de mediação e, por conseguinte, deverão ser suficientemente flexíveis e ajustáveis as condicionantes da situação, uma vez que, como é óbvio, não se dispõe de princípios universais na mediação.

Será conveniente não negligenciar o facto de que a perspectiva apresentada constitui tão somente uma abordagem do fenómeno em análise, pelo que o tema não se esgota na sucinta abordagem que sobre o mesmo aqui produzimos.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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