Finisterra, LVIII(124), 2023 pp. 3-6

ISSN: 0430-5027

doi: 10.18055/Finis34090

Editorial





INOVAÇÃO E EXCELÊNCIA NA GEOGRAFIA: JOVENS INVESTIGADORES NAS CIÊNCIAS GEOGRÁFICAS E DO TERRITÓRIO:

Nota editorial



A edição do presente número da Finisterra, o 124, assinala dois factos importantes que justificam este editorial. O primeiro facto prende-se com a necessidade de renovação da Finisterra no atual contexto da atividade editorial das revistas científicas; o segundo motivo é de natureza celebrativa, pela associação da revista às comemorações dos 80 anos do Centro de Estudos Geográficos, através do lançamento de uma chamada especial de artigos, intitulada “Inovação e Excelência na geografia: jovens investigadores nas ciências geográficas e do território”, iniciativa que agora se concretiza com a publicação dos documentos selecionados. Os dois factos relevantes que motivam esta nota de abertura suscitam os comentários e reflexões que se partilham em seguida.

Desde a sua criação, em 1966, a Finisterra afirmou-se como uma revista de referência no domínio da Geografia, num percurso editorial que contribuiu para o reconhecimento e prestígio do Centro de Estudos Geográficos. No presente século, a evolução da revista correspondeu aos importantes desafios emergentes surgidos, por exemplo, com a digitalização ou a necessidade crescente de integração em repositórios académicos internacionais, passos que as direções antecedentes souberam trilhar com sucesso. No contexto atual, a Finisterra tem de se ajustar aos novos reptos colocados pelas plataformas internacionais de indexação de documentos científicos, de forma a consolidar o seu reconhecimento e atratividade para a vasta comunidade de investigadores nas áreas de conhecimento da Geografia e do Território. Neste sentido, e acompanhando as tendências tecnológicas e sociais do nosso tempo, a evolução da revista deve guiar-se pela simplificação e flexibilização dos processos de produção editorial, que devem estar mais centrados no suporte digital da publicação, inegavelmente o modelo de utilização e divulgação mais importantes. Embora a Finisterra mantenha o seu perfil híbrido de publicação, digital e impresso, o presente número materializa, desde já, duas alterações que decorrem desta necessidade de transição: mudança no formato da versão em papel e redução drástica da tiragem.

A decisão de mudança no formato da publicação em papel decorre, em primeiro lugar, da necessidade de simplificar e agilizar todo o fluxo de tarefas de produção dos números da revista, transitando-se para um modelo de composição gráfica que permitirá uma publicação dos documentos mais célere e em contínuo. A publicação dos números quadrimestrais nos prazos recomendados e a sua disseminação atempada em repositórios académicos institucionais e nas bases de dados de indexação representam um desafio exigente, mas, simultaneamente, o fator-chave da atratividade e futuro da Finisterra como revista científica de referência. Por outro lado, espera-se ainda que o novo formato possa proporcionar uma experiência de leitura mais satisfatória aos utilizadores da versão em papel, embora estes correspondam a um número que vem decrescendo inexoravelmente, de acordo com os dados disponíveis das vendas de exemplares impressos. Reduzir a tiragem dos exemplares impressos da Finisterra (de 200 para 50) é, portanto, igualmente uma medida que se afigura razoável e ajustada, desde logo também por um imperativo de responsabilidade ambiental, reconhecendo-se como absolutamente necessária a redução do desperdício e das pegadas carbónica e ecológica. Note-se, a este propósito, o escasso número de permutas ativas da edição impressa com outros periódicos, apenas 13, em contraste flagrante com a crescente visibilidade da presença da revista no mundo digital.

Como já referido, a associação da revista às comemorações dos 80 anos do Centro de Estudos Geográficos resultou no presente número especial, onde se dá destaque aos trabalhos desenvolvidos atualmente por jovens investigadores nas áreas das ciências geográficas e do território. Esta iniciativa despoletou grande interesse por parte de doutorandos ou recentes doutores, nacionais e internacionais, aproximando-se das quatro dezenas o número de demonstrações de interesse recebidas, e concretizadas nos onze textos agora publicados (e em alguns documentos a publicar em números futuros).

Não sendo um jovem investigador, Zêzere (2023) encabeça a publicação em representação do Centro de Estudos Geográficos e da ciência que estuda os diversos perigos geomorfológicos em Portugal. Neste texto, observa-se que a reduzida dimensão territorial do país não é proporcional à grande variedade de riscos identificados, havendo uma clara diversidade regional.

Ainda no domínio da Geografia Física, Fernandes et al. (2023) apresentam-nos uma análise das teses de doutoramento em Geografia Física, publicadas entre 2000 e 2021. Biogeografia, Climatologia, Hidrologia, Geomorfologia e Risco e Ordenamento são os principais domínios emergentes, recorrendo-se a uma, cada vez maior, diversidade de técnicas de trabalho de campo e métodos de análise. Identificaram também uma interessante relação entre as instituições de ensino e as áreas e temáticas de estudo.

Segue-se um conjunto de textos que discutem a geografia e o ordenamento do território, tendo em vista a contribuição para a definição de políticas mais adequadas nos domínios ambientais e sociais. Maia e Sá Marques (2023) analisam a participação pública associada à revisão do Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT), em particular os problemas de ordenamento, com o objetivo de aferir proximidades entre os participantes de acordo com o seu perfil e respostas, originando “comunidades” com distintas culturas territoriais.

Numa abordagem que interliga o ambiente, a economia e o ordenamento do território numa perspetiva de sustentabilidade, e considerando a situação de urgente transição energética, Alves et al. (2023) propõem um índice espacial de otimização da localização de parques solares em Portugal, permitindo discutir o potencial energético do país e relacioná-lo com a localização dos centros electroprodutores energéticos esperados, demonstrando a sua utilidade como sistema espacial de apoio à decisão.

Na área social, Silver e Queirós (2023) discutem o peso que os custos em transporte têm nas desigualdades urbanas, aplicando a discussão ao caso do Rio de Janeiro, Brasil. Fatores como o rendimento, o género, o tempo e finalidades das viagens emergiram como relevantes na distinção dos grupos sociais que podem ou não suportar financeiramente as despesas em transporte, obrigando a alargar a discussão entre as políticas tarifárias, as características da população e a organização espacial. Numa outra perspetiva, Lopes e Marat-Mendes (2023) discutem o acesso à habitação social na Área Metropolitana de Lisboa, considerando o atual contexto de grande investimento público neste assunto. Desta forma, é-nos oferecido um enquadramento das políticas, leis e programas, bem como são apresentados alguns casos de estudo.

Já no domínio das políticas, Silva (2023) investiga a presença/ausência e mobilidade de políticas urbanas, debruçando-se o estudo sobre quatro centros urbanos ingleses e a construção relacional e territorial dos respetivos Bussiness Improvement Districts. Daqui emerge a importância da posicionalidade, memória institucional e cronopolítica para uma investigação mais relevante.

Os dois textos seguintes trabalham com perceções, de forma bastante diferenciada. Maluly (2023) discute os territórios do passado com base nos relatos de Saint-Hilaire sobre o Brasil (séc. XIX), onde se evidencia o contraste entre a “lentidão” do “sertão” e a rede de pessoas e ideias chegadas pelo Atlântico.

A um nível local, Ferraz dos Santos et al. (2023) recorrem ao mapeamento como ferramenta participativa para análise das relações de género (e não só) em ambiente escolar, aplicados a três escolas de Lisboa. Do estudo, destaca-se o papel da nacionalidade nas dinâmicas socioespaciais nas escolas, através de três mecanismos: lateralização cultural, guetização do espaço escolar e ocupação periférica dos campos de jogos pelas alunas.

Os dois últimos documentos apresentam-nos sínteses bibliográficas de temas distintos. Na perspetiva da Geografia Económica, Silva e Vale (2023) discutem a resiliência das cadeias de abastecimento e as diversas trajetórias de produção internacional, tema que ganhou maior relevância com a pandemia de Covid-19 e com a guerra da Rússia-Ucrânia. Os autores discutem especialmente as orientações da Comissão Europeia, que pauta pela promoção da diversificação das redes, para uma maior sustentabilidade das cadeias de abastecimento.

Finalmente, no domínio do Ordenamento voltado para a produção e segurança alimentar, Viana (2023) apresenta uma reflexão sobre as diversas abordagens geoespaciais da investigação geográfica aplicadas à modelação dos sistemas agrícolas. A autora sublinha que a integração das abordagens geoespaciais é uma oportunidade para a produção de novos dados que apoiam os processos de decisão, através da antecipação das mudanças e projeção de estratégias futuras.

Com esta iniciativa, a Finisterra pretende renovar a sua intenção de ser uma plataforma de divulgação da ciência de qualidade, abrindo espaço a todos os que se interessem pela Geografia e áreas afins, captando assim (novos) autores e revisores, e ampliando a audiência que procura a revista como um periódico de referência neste domínio científico.



Lisboa, dezembro 2023


Marcelo Fragoso

Ana Louro



ORCID iD


Marcelo Fragoso https://orcid.org/0000-0001-7272-3089

Ana Louro https://orcid.org/0000-0002-4214-1982



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


Alves, A., Marques da Costa, E., Gomes, E., & Niza, S. (2023). Otimização da localização de parques solares numa perspetiva de sustentabilidade: proposta de índice espacial em Portugal Continental. Finisterra – Revista Portuguesa de GeografiaLVIII(124), 63-84. https://doi.org/10.18055/Finis33456

Conceição da Silva, J., & Vale, M. (2023). Resiliência das cadeias de abastecimento, possíveis trajetórias da produção internacional e a resposta da União Europeia no contexto da pandemia da Covid-19. Finisterra – Revista Portuguesa de GeografiaLVIII(124), 69-79. https://doi.org/10.18055/Finis33422

Fernandes, R., Silva, T., Castro, A., Baptista, J., Gonçalves, A., & Vieira, G. (2023). A investigação em geografia física em Portugal: uma análise das teses de doutoramento entre 2000 2021. Finisterra – Revista Portuguesa de GeografiaLVIII(124), 29-46. https://doi.org/10.18055/Finis33440

Ferraz dos Santos, A. C., de Sousa Gonçalves da Costa, D. M., & Queirós, M. (2023). Mapeamento participativo das relações interseccionais de gênero em contexto escolar: a experiência de três escolas na cidade de Lisboa. Finisterra – Revista Portuguesa de GeografiaLVIII(124), 151-167. https://doi.org/10.18055/Finis33472

Maia, C., & Marques, T. S. (2023). Identificação de culturas territoriais em Portugal: uma reflexão em torno das perceções dos problemas do ordenamento do território. Finisterra – Revista Portuguesa de GeografiaLVIII(124), 47-62. https://doi.org/10.18055/Finis33485

Maluly, V. S. (2023). Contrastes territoriais na América portuguesa: a lentidão extrema e uma rede atlântica de pessoas e de ideias. Finisterra – Revista Portuguesa de GeografiaLVIII(124), 139-149. https://doi.org/10.18055/Finis33181

Silva Lopes, S., & Marat-Mendes, T. (2023). Acesso à habitação social na Área Metropolitana de Lisboa: programas, políticas e leis de bases da habitação. Finisterra – Revista Portuguesa de GeografiaLVIII(124), 105-123. https://doi.org/10.18055/Finis33324

Silva, D. G. (2023). Investigando a presença e ausência de políticas: implicações e práticas para as mobilidades de políticas urbanas. Finisterra – Revista Portuguesa de GeografiaLVIII(124), 125-137. https://doi.org/10.18055/Finis33477

Silver, K., & Queirós, M. (2023). O peso dos altos preços das tarifas sobre a desigualdade urbana: uma análise de pesquisa dos custos de transporte no Rio de Janeiro. Finisterra – Revista Portuguesa de GeografiaLVIII(124), 85-103. https://doi.org/10.18055/Finis33407

Viana, C. M. (2023). Reflexão sobre as abordagens geoespaciais da investigação geográfica aplicadas à modelação dos sistemas agrícolas. Finisterra – Revista Portuguesa de GeografiaLVIII(124), 181-196. https://doi.org/10.18055/Finis33462

Zêzere, J. L. (2023). Perigos geomorfológicos em Portugal: estado da arte. Finisterra – Revista Portuguesa de GeografiaLVIII(124), 7-27. https://doi.org/10.18055/Finis33142











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