Finisterra , LX ( 129 ), 2025, e 41563 ISSN: 0430 - 5027 doi: 10.18055/Finis 41563 Recensão Published under the terms and conditions of an Attribution - NonCommercial - NoDerivatives 4.0 International license. NEW URBAN SPACES - URBAN THEORY AND THE SCALE QUESTION DE NEIL BRENNER i P EDRO C OOPER 1 O livro New Urban Spaces: Urban Theory and the Scale Question (2019) de Neil Brenner oferece uma análise crí tica sobre a teoria e investigação urbana. O autor desafia as abordagens tradicionais que estudam as cidades como entidades territoriais isoladas, examinando a forma como os processos da restruturação capitalista, intervenção do Estado e os desafios sociopolíticos moldam a produção e tecido dos es paços urbanos, focando na relação entre a urbanização concentrada e extensiva. Brenner propõe uma reconc eptualização da teoria urbana, scalar turn . Ao invés de analisar o espaço urbano de forma horizontal como algo plano e isolado propõe uma perspetiva vertical, concebendo a cidade como parte de uma rede de escalas interligadas (local, regional, nacional e global). Daí que, o espaço urbano, não seja distinguido como um espaço físico, mas socio espacial, definido pela sua posição dentro deste sistema din âmico e multiescalar, desafiando a presunção de escalas fixas e independentes, realçando a sua construção social, contestação política e histórica. No percurso do primeiro e segundo capítulo , é explorada a contradição capitalista entre fixidity e motion , central na investigação de David Harvey, que salienta a necessidade de estruturas territoriais estáveis para apoiar a acumulação ( fixidity ), ao contrário, do impulso incessante de expansão, restruturação espacial e temporal ( motion ). Pa ra Brenner, a análise de Harvey é limitada no conceito de “ spatial fix ”. O autor alarga este conceito, argumentando que as fixações espaciais (Harvey, 1982) são inerentemente fixações escalares, ou seja, não são localizações fixas, mas relações interescal ares específicas e historicamente contingentes. Brenner integra o conceito de morfologia estratificada hierárquica de Henri Lefebvre (1991) , que descreve a organização complexa, estratificada e dinâmica do espaço social em várias escalas. I ns pira do em Lefebvre, adota a noção de space envelopes para destacar como as escalas delimitam e conectam relações socioespaciais, funcionando como parâmetros e meios de interação. Integra também o conceito de space of catastrophe , que indica o potencial de rutura e r eorganização sistémica dentro das formas espaciais. Além disso, recorre às ideias de implosion - explosion e planetarization of the urban para enfatizar a natureza desigual e multifacetada da urbanização global, propondo uma compreensão mais matizada da inte ração entre estratégias estatais e a urbanização multiescalar. No â mago da sua crítica, o autor aborda os desafios metodológicos na aplicação da análise escalar para compreender a reestruturação urbana no contexto pós - 1970. Assim, no terceiro capítulo, Bre nner analisa a evolução da questão urbana, traçando a sua transformação desde a crítica marxista de Castells (1977) à abordagem universal da Escola de Chicago. A análise critica ambas as perspetivas teóricas , pois definem o urbano com base na especificidade funcional ou na especificidade da escala, referindo que, estas abordagens falham em examinar a interação dinâmica das diferentes escalas. A ideia central deste capítulo apresenta nove propostas enquadradas na me todologia de Brenner para o estudo de escalas , que são essen ciais para interpretar a sua obra. Assim sendo, as escalas geográficas não são meras construções teóricas, mas bases organi zacionais reais, inerentemente verticais. Estas escalas são construções sociais, criadas a partir de ações humanas e institucionais, onde cada nível ajuda a moldar o seguinte . Brenner menciona que as escalas não podem ser compreendidas de forma isolada, pois estão num sistema sobreposto entre si, que, por sua vez não é hierárquico . Além das escalas, ao analis ar os processos socioespaciais, também é importante considerar o Recebido: 30 /0 4/2025 . Aceite: 26 / 0 7 /202 5 . Publicado: 29 /07/2025. 1 Instituto de Geografia e Ordenamento do Território , Universidade d e Lisboa , Edíficio, IGOT, R. Branca Edmée Marques, 1600 - 276 , Lisboa , Portugal . E - mail: cooper@edu.ulisboa.pt
Cooper, P. Finisterra, LX (129), 2025, e41563 2 espaço, território e as redes . Ademais, o contexto histórico e as estrutura s de poder também moldam as escalas, influenciando as condições do presente, possibilidades futuras e os detentores do poder. Esta estrutura teórica apoia - se no realismo cr í tico, citando Brenner ( 2019, p. 102) : “I rely here upon a critical realist epistemology in which the intelligibility of a scalar lens into social life is understo od to be derived from a prior state of affairs namely the differentiation of sociospatial relations (…) . Ao inv és de tratar as escalas como dadas, devem ser compreendidas como construções sociais e históricas fruto de processos socioespaciais. Esta perspetiva desloca o foco das escalas fixas para os processos dinâmicos de criação e transformação de escalas, propondo uma nova maneira de entender a reestruturação e produção do espaço urbano. No quarto capítulo , Brenner explora a relação entre a criação global d e cidades e o redimensionamento da urbanização, desafiando a narrativa predominante do declínio do Estado, associada à glob alização. O autor argumenta que os Estados continuam a desempenhar um papel ativo na formação e produção das cidades, sendo, ao mesmo tempo, transformados pelo surgimento das cidades globais. Nesse contexto, Brenner introduz o conceito de world city archipelago , uma rede de cidades globais interligadas que atuam como pontos estratégicos na dinâmica da acumulação de capital global. O au tor critica ainda a teoria urbana tradicional pelo seu foco na dicotomia global/local, defendendo a importância das estratégias formuladas no âmbito dos Estados - nação. Brenner rejeita a v isão zero - sum das escalas e propõe uma abordagem relacional, enfatiza ndo que os Estados continuam a moldar o desenvolvimento urbano, mesmo na era das cidades globais. Utilizando o exemplo da União Europeia (UE) no final do século XX, demonstra como os Estados nacionais mantêm influência na configuração urbana, evidenciada p elas distintas estratégias adotadas pelo Reino Unido e pela Alemanha na disputa por sediar instituições da UE. Brenner contesta a ideia de uma “nova economia”, como um fenómeno natural, rejeitando a noção de um modelo crescimento único e facilmente replicá vel. Em vez disso, descreve a “nova economia” como um conjunto diverso de estratégias voltadas para impulsionar o crescimento industrial liderado pelas tecnologias de informação e comunicação. Este discurso simplifica e oculta as contradições e conflitos q ue permeiam estes processos. A ssim , Brenner enfatiza que a concentração destas indústrias em determinados locais não é por acaso, mas resulta de decisões políticas deliberadas, aprofundando as desigualdades existentes. Deste modo, é sublinha do que o redimensionamento do Estado na “nova economia”, caracterizada pelo abandono das políticas redistributivas a favor da competição e da atração de investimento para locais específicos, através da desregulamentação e de incentivos fiscais , modificou o papel do Estado. Esta transição é devida ao desenvolvimento espacial desigual pois essas políticas afetaram o desenvolvimento territorial de forma desigual. Ou seja, a busca por atrair investimentos em regiões especí ficas levou a um crescimento económico concentrado em certas regiões deixando esquecidas . Brenner evidencia que a globalização intensificou a competição entre regiões . As políticas anteriores apontav am para a ideia de redistribuição e igualdade, paradigma alterado devido à globalização. Atualmente , a região tornou - se na unidade principal de competição, ou seja, ao contrário de acentuar o Estado - nação , as regiões começaram a competir diretamente entre si próprias para atrair o investimento e promover o crescimento económico. Com a intensificação da competição surge a necessidade de uma coordenação regional. As regiões precisam de articular e trabalhar d e uma forma integrada para enfrentar a concorrência global. Contudo , essa integração e coordenação pode gerar tensões entre diferentes escalas do governo (local, regional, nacional) dificultando a implementação de políticas eficazes e coerentes. Consequentemente, o autor argumenta que o desenvolvimento espacial desigual (USD) é um elemento estrutural do capitalismo, não um mero efeito secundário. Ampliando o trabalho de Smith (1984), integra espaço, território, escala e redes como dimensões entrelaçadas. Utiliza ainda a metáfora do mil - folhas de Lefebvre, que propõe uma abordagem polimórfica que supera a análise focada exclusivam ente na escala. Os capítulos conclusivos desafiam as narrativas da “era urbana” ( urban age ) que enquadram a urbanização apenas como crescimento da cidade, salientando o enviesamento dessa abordagem e a sua dependência em dados imprecisos. Citando Adams (2014), o autor argumenta que esta perspetiva trata a urbanização como uma condição demasia do complexa para ser analisada como um objeto analítico próprio, faltando assim, captar as transformações mais profundas em curso. E m contrapartida, Brenner propõe o conceito de “urbanização planetária”, que enfatiza as dinâmicas de implosão/ex plosão dos processos urbanos, expandindo uma análise além dos limites urbanos tradicionais, abrangendo os hinterlands e a própria natureza. Torna - se, portanto, necessário ultrapassar a visão simpli sta baseada na city lens . Como sublinha Cair ns ( 2019, p. 304), “(…) this city - centric perspective ( ... ) often forms the basis for long - term sustainable development ” ocultando, contudo, as dinâmicas de poder subjacentes e as consequências desiguais desse processo de transformação global.
Cooper, P. Finisterra, LX (129), 2025, e41563 3 Brenner propõe uma teoria urbana crítica capaz de compreender a urbanização planetária, ultrapassando a visão centrada nas cidades. A falta de explorações tangíveis de espaços urbanos realmente existentes significa que as abstrações concretas do livro acabam por se parecer desligadas as da experiência vivida pelos habitantes urbanos, algo onde se iria esperar que Brenner levasse a sua teoria para a rua, mas pelo contrário, o autor desliga - se completamente desta realidade na busca da marca da urbanização alargada aos olhos dos satélites que orbitam o globo. Após a leitura de New Urban Spaces , torna - se claro que é necessário abordar a obra dentro do seu próprio “espaço”, considerando a complexidade da argumentação sobre a reestruturaçã o urbana e as tensões entre fixidez e movimento no capitalismo. Brenner oferece uma análise rigorosa das dinâmicas socioespaciais do capitalismo tardio, fornecendo ferramentas metodológicas flexíveis. Contudo, Addie (2019) critica o livro devido ao seu nív el elevado de abstração e a o facto do autor não considerar realidade urbanas concretas. A ssim, a credito que a complexidade das ideias apresentadas exige uma profunda introspeção e interrogação crítica e , consequentemente , um debate, pois as ideias apresentadas em New Urban Spaces são necessárias , tanto na rua, com o na investigação académica. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Adams, R. E. (2014 , february ). The burden of the present: On the concept of urbanization. Society and Space . https://www.societyandspace.org/articles/the - burden - of - the - present - on - the - concept - of - urbanisation Addie, J. - P. (2019). Review of New Urban Spac es: Urban Theory and the Scale Question by Neil Brenner . Georgia State University. Brenner, N. (2019). New Urban Spaces: Urban theory and the scale question . Oxford University Press. Cairns, S. (2019). Debilitating city - centricity: Urbanization and urban - r ural hybridity in Southeast Asia. In R. Padawangi (Ed.), Routledge Handbook of Urbanization in Southeast Asia (pp. 115 130). Routledge. Castells, M. (1977). The urban question: A Marxist approach . MIT press. Harvey, D. (1982). The limits to capital . University of Chicago Press. Lefebvre, H. (1991). The production of space . Blackwell. Smith, N. (1984). Uneven development: Nature, capital, and the production of space . Blackwell. i Primeiro lugar do concurso “Livros que contam: descobre um livro e dá - o a conhecer” de 2025 par ceria entre a Biblioteca do CEG - IGOT (ULisboa) e a Finisterra Revista Portuguesa de Geografia, visando estimular a escrita de sínteses de obras científicas, contribuindo para o reforço do conhecimento, da curiosidade e da criatividade dos estudantes do I nstituto de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT - ULisboa) e entidades parceiras.