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Revista Portuguesa de Enfermagem de Reabilitação

versão impressa ISSN 2184-965Xversão On-line ISSN 2184-3023

RPER vol.5 no.1 Silvalde jun. 2022  Epub 18-Jul-2022

https://doi.org/10.33194/rper.2022.205 

Revisão da literatura

Intervenções de Enfermagem de Reabilitação na Mulher com Disfunção do Pavimento Pélvico

Rehabilitation Nursing Interventions in the Woman with Pelvic Floor Dysfunction

Intervenciones de Enfermeria de Rehabilitación en la Mujer con Disfunción del Suelo Pélvico

1Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, Lisboa, Portugal

2Hospital Curry Cabral, Lisboa, Portugal


RESUMO

Introdução:

No âmbito das competências definidas para o enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação (EEER), observa-se que este intervém na problemática da mulher com disfunção do pavimento pélvico, uma situação de grande impacto na vida da pessoa. Assim importa compreender quais as intervenções a implementar.

Objetivo:

Identificar a evidência científica existente sobre as intervenções de enfermagem de reabilitação na mulher com disfunção do pavimento pélvico.

Método:

Realizada uma revisão narrativa da literatura, recorrendo às bases de dados CINAHL e MEDLINE via plataforma EBSCO, complementada por literatura não publicada e manuais de referência.

Resultados e Discussão:

A literatura consultada oferece indicações específicas de apreciação da mulher com disfunção do pavimento pélvico, incluindo avaliação inicial, exame físico e instrumentos como a Escala de Oxford Modificada e o Instrumento PERFECT. No âmbito das intervenções identificaram-se as do âmbito comportamental, de fortalecimento da musculatura do pavimento pélvico, técnicas complementares como o biofeedback e a electroestimulação, exercícios abdominais hipopressivos, estratégias de relaxamento e produtos de apoio específicos.

Conclusão:

A disfunção do pavimento pélvico na mulher assume-se como uma temática relevante tendo em conta o impacto na qualidade de vida da mesma, ao longo do seu ciclo vital. A enfermagem de reabilitação encontra neste âmbito uma oportunidade de intervenção, validada pelas competências e padrões de qualidade definidas para estes cuidados.

DESCRITORES: Disfunção do Pavimento Pélvico; Enfermagem; Reabilitação; Mulher

ABSTRACT

Introduction:

Within the scope of the competences defined for the rehabilitation specialist nurse, it is observed that they intervene in the woman with pelvic floor dysfunction, a situation with great impact on the person’s life. Therefore, it is important to understand which interventions to implement.

Objective:

Identify the existing scientific evidence on rehabilitation nursing interventions in the woman with pelvic floor dysfunction.

Method:

A narrative review was carried out, using the CINAHL and MEDLINE databases via the EBSCO platform, complemented by unpublished literature and reference manuals.

Results and Discussion:

The consulted literature offers specific indications for the assessment of women with pelvic floor dysfunction, including initial assessment, physical examination, and instruments such as the Modified Oxford Scale and the PERFECT Instrument. As part of the interventions, we identified those in the behavioral sphere, strengthening of the pelvic floor muscles, complementary techniques such as biofeedback and electrostimulation, hypopressive abdominal exercises, relaxation strategies and specific assistive devices.

Conclusion:

Pelvic floor dysfunction in women is a relevant issue considering the impact it has on the quality of life throughout their life span. In this context, rehabilitation nursing finds an opportunity for intervention, validated by the competences and quality standards defined for this care.

DESCRIPTORS: Pelvic Floor Dysfunction; Nursing; Rehabilitation; Woman

RESUMEN

Introducción:

En el ámbito de las competencias definidas para el enfermero especialista en enfermería de rehabilitación, se observa que intervienen en el problema de la mujer con disfunción del suelo pélvico, situación de gran impacto en la vida de la persona. Por eso es importante comprender qué intervenciones implementar.

Objetivo:

Identificar la evidencia científica sobre intervenciones de enfermería de rehabilitación en la mujer con disfunción del suelo pélvico.

Método:

Se realizó una revisión narrativa de la literatura, utilizando las bases CINAHL y MEDLINE a través de la plataforma EBSCO, complementada con literatura no publicada y manuales de referencia.

Resultados y Discusión:

La literatura consultada ofrece indicaciones específicas para la evaluación de la mujer con disfunción del suelo pélvico, incluyendo apreciación inicial, examen físico y instrumentos como la Escala de Oxford Modificada y el Instrumento PERFECT. Como parte de las intervenciones, identificamos aquellas en el ámbito comportamental, fortalecimiento de la musculatura del suelo pélvico, técnicas complementarias como el biofeedback y electroestimulación, ejercicios abdominales hipopresivos, estrategias de relajamiento y productos de apoyo específicos.

Conclusión:

La disfunción del suelo pélvico en la mujer es un tema relevante considerando el impacto en su calidad de vida a lo largo de su ciclo de vida. En este contexto, la enfermería de rehabilitación encuentra una oportunidad de intervención, validada por las competencias y estándares de calidad definidos para estos cuidados.

DESCRIPTORES: Disfunción del Suelo Pélvico; Enfermería; Rehabilitación; Mujer

INTRODUÇÃO

O pavimento pélvico é constituído por um grupo complexo de músculos presentes na anatomia feminina e masculina que apresenta uma variedade de funções, nomeadamente a manutenção da continência urinária e intestinal1.

A pélvis é um anel ósseo formado pela união dos dois ossos coxais, cuja abertura inferior está encerrada por uma parede muscular, onde se localizam as estruturas urogenitais e ânus. A maior parte do pavimento pélvico é formada pelo diafragma pélvico, do qual fazem parte dois músculos: o músculo coccígeo, com a função de elevar e suportar o pavimento pélvico e o levantador do ânus, com a função de elevar o ânus e suportar as vísceras pélvicas2. Numa camada inferior ao pavimento pélvico está localizado o períneo, região formada pelo triângulo urogenital, que contém os órgãos sexuais externos, e pelo triângulo anal, que contém o orifício anal. O períneo clínico ou centro fibroso do períneo está localizado entre a vagina e o ânus. Outros músculos que fazem parte do pavimento pélvico incluem o bulbo-esponjoso, ísquio-cavernoso, esfíncter anal externo, esfíncter uretral e transversos do períneo(2, 3).

Os músculos levantadores do ânus diferem da maioria dos músculos esqueléticos porque mantêm tónus constante (exceto durante a micção, eliminação intestinal e manobra de Valsalva), são capazes de se contrair rapidamente quando sujeitos a um stressor, como um espirro ou tosse mantendo a continência e são capazes de se distender consideravelmente durante o parto, contraindo após o mesmo e recuperando a sua função normal3. Isto deve-se ao facto de estes músculos serem compostos por dois terços de fibras tipo 1, resistentes à fadiga e capazes de contrações por longos períodos de tempo, e por um terço de fibras tipo 2, capazes de produzir uma contração mais forte, rápida e eficaz, embora por curtos períodos de tempo1. É a contração destes músculos que determina a efetividade dos esfíncteres, prevenindo incontinência urinária e fecal, em resposta a aumentos da pressão intra-abdominal, como na tosse, espirros, riso, entre outros1.

O pavimento pélvico apresenta diversas funções. Primeiramente oferece suporte aos órgãos internos, como a bexiga, o reto e o útero, protegendo-os dos efeitos da gravidade1. Estes músculos formam uma parte dos músculos do core com efeito na estabilidade da coluna e da pélvis, auxiliando o seu movimento e a manutenção da postura1, funcionando como estabilizadores do tronco em sinergia com o transverso abdominal4. Durante a gravidez servem de suporte ao feto e, durante o parto, auxiliam na sua passagem pela cintura pélvica1. A atividade do pavimento pélvico está também relacionada com a função sexual: a contração voluntária destes músculos contribui para o aumento da excitação e é necessário que estes músculos tenham força para que ocorra o orgasmo. No entanto, uma tensão ou sensibilidade excessivas do pavimento pélvico pode contribuir para a dor durante ou após as relações sexuais1.

Por fatores de diversas naturezas pode ocorrer dano na musculatura do pavimento pélvico, conduzindo à sua disfunção, sendo a gravidez e o parto os maiores fatores de risco1,5, devido à ação hormonal que provoca relaxamento muscular, laceração do períneo no parto, episiotomia e compressão do útero sobre a bexiga4. As lesões do pavimento pélvico podem ocorrer em 13% a 36% das mulheres com parto vaginal3. A obstipação crónica pode ser um fator de risco de desenvolvimento de disfunções do pavimento pélvico por estiramento e enfraquecimento dos músculos referidos1. Outros fatores relacionados com o aumento da pressão intra-abdominal podem conduzir a disfunções do pavimento pélvico, nomeadamente a obesidade5, tosse contínua ou exercício de elevado impacto, como o levantamento de pesos e atividades vigorosas que incluam saltos1. Sabe-se também que o envelhecimento conduz a uma perda de tonicidade e elasticidade muscular. Na mulher este facto é agravado pela menopausa, uma vez que com a diminuição de estrogénio também a quantidade de fibras musculares no pavimento pélvico diminui, tornando-o mais fino ou até irritado e doloroso1. A histerectomia está relacionada com a perda de suporte do pavimento pélvico e as doenças neurológicas como lesões da cauda equina ou a diabetes podem causar paralisação do pavimento pélvico5.

Após análise das causas da disfunção do pavimento pélvico, observa-se que a mulher apresenta um risco acrescido de dano nestas estruturas e, naturalmente, do impacto das consequências do mesmo. O enfraquecimento da musculatura do pavimento pélvico pode manifestar-se sintomaticamente através de incontinência urinária/fecal ou prolapso de órgãos pélvicos1. Os tipos de incontinência mais frequentemente relacionados com a disfunção do pavimento pélvico são a incontinência urinária por stress, urgência ou mista, bexiga hiperativa, perda fecal ou urgência fecal1. O prolapso de órgãos pélvicos pode ser anterior - por prolapso da bexiga -, posterior - por prolapso do reto - ou vaginal - quando há prolapso da vagina ou do útero1. Este pode manifestar-se por uma sensação de peso, “arrastamento”, dor e/ou desconforto na vagina ou abdómen e falta de sensibilidade nas relações sexuais1. A mulher afetada por hipertonia do pavimento pélvico pode apresentar sintomas pouco específicos como a dificuldade em evacuar, sensação de esvaziamento incompleto do intestino, sensação de plenitude, obstipação, frequência e urgência urinária, disúria, incontinência, dor na região da bexiga, dispareunia, dor pélvica após as relações sexuais, dor na região lombar inferior que irradia para as coxas ou virilhas e dor pélvica não relacionada com o coito6.

A disfunção do pavimento pélvico assume-se como um problema que afeta a mulher ao longo do seu ciclo vital. Uma em cada três mulheres que já tenha parido irá sofrer de incontinência urinária, uma em cada duas irá desenvolver prolapso dos órgãos pélvicos e uma em cada dez irá sofrer de incontinência fecal. As disfunções do pavimento pélvico estão associadas a uma redução no bem-estar psicológico, social, financeiro e sexual, conduzindo a isolamento social, perda de rendimentos e pior qualidade de vida, mas a vergonha e os tabus sociais impedem uma discussão aberta do tema7.

Importância da temática para os cuidados de Enfermagem de Reabilitação

A abordagem desta temática é relevante no contexto da enfermagem de reabilitação. A Mesa do Colégio de Especialidade de Enfermagem de Reabilitação8) determinou que a avaliação e as intervenções autónomas do EEER na função eliminação intestinal e vesical são áreas de investigação prioritária em enfermagem de reabilitação. Por outro lado, considera-se que a intervenção do EEER na mulher com disfunção do pavimento pélvico pode contribuir para a melhoria contínua dos cuidados de enfermagem de reabilitação, concretizadas nos Padrões de Qualidade dos Cuidados Especializados em Enfermagem de Reabilitação. A procura pela satisfação do cliente, a promoção da saúde, a prevenção de complicações, o bem-estar e o autocuidado, a readaptação funcional e a reeducação funcional9) são enunciados descritivos ligados ao desenvolvimento desta temática.

Impõe-se também refletir sobre as competências do EEER que podem enquadrar a sua intervenção no âmbito da intervenção na mulher com disfunção do pavimento pélvico.

O EEER tem como primeira competência definida pela OE10 cuidar de pessoas com necessidades especiais, ao longo do ciclo de vida, em todos os contextos da prática de cuidados, aplicando a metodologia do processo de enfermagem. Assim, compete ao EEER avaliar a mulher no que respeita ao risco de alteração da funcionalidade, em particular nos domínios da eliminação e sexualidade, recorrendo a escalas e instrumentos de medida, bem como à funcionalidade nas atividades de vida diária, fatores facilitadores ou inibidores da sua realização ou aspetos psicossociais com impacto nestes processos. Também nestes domínios cabe ao EEER diagnosticar as respostas desadequadas e as necessidades de intervenção de reeducação destas funções10. A conceção de planos de intervenção deverá estar alinhada com o projeto de saúde da mulher, após discussão com a mesma, selecionando e prescrevendo intervenções para reeducação funcional. Considera-se que, para este projeto, será prioritária a implementação de programas de otimização e/ou reeducação da sexualidade e reeducação da função de eliminação vesical e intestinal10, não obstante outros que possam ser identificados como relevantes. Os programas de intervenção operacionalizam-se através de mobilização de conhecimentos, identificação de recursos necessários e desenvolvimento, ensino, demonstração e treino de técnicas, para as quais este projeto contribui. O processo tem continuidade com a monitorização, avaliação e eventual reformulação da intervenção10.

Observa-se também que a competência J2 (“Capacita a pessoa com deficiência, limitação da atividade e/ou restrição da participação para a reinserção e exercício da cidadania”) definida pela OE10 pode ser explorada no âmbito da intervenção do EEER, nomeadamente no que respeita à elaboração de programas de treino de atividades de vida diária, ensinando técnicas e tecnologias específicas de autocuidado, ensino e supervisão de produtos de apoio e diminuição de fatores de risco ambientais relacionados com a alteração da funcionalidade.

Analisadas as competências do EEER observa-se que este pode intervir na problemática da mulher com disfunção do pavimento pélvico, mas urge compreender quais as intervenções que pode implementar. Assim, foi formulada a seguinte questão de investigação: quais as intervenções de enfermagem de reabilitação implementadas na mulher com disfunção do pavimento pélvico? Foi realizada uma revisão narrativa da literatura com o objetivo de identificar a evidência científica existente sobre as intervenções de enfermagem de reabilitação na mulher com disfunção do pavimento pélvico. Optou-se por este tipo de revisão por permitir sumarizar e sintetizar a literatura atual existente na área e identificar lacunas no conhecimento11.

METODOLOGIA

Para a realização da presente revisão narrativa da literatura foi efetuada uma pesquisa nas bases de dados CINAHL e MEDLINE (via EBSCO), utilizando os termos de indexação “Pelvic Floor Disorders”, “Women”, “Female” “Rehabilitation” e “Rehabilitation Nursing”. Conforme previamente referido, esta revisão tem por objetivo identificar a evidência científica existente sobre as intervenções de enfermagem de reabilitação na mulher com disfunção do pavimento pélvico. Uma vez que se observou que a literatura respeitante à enfermagem é escassa, foi realizada uma pesquisa livre e não estruturada noutras fontes de informação como manuais, artigos não publicados e documentos de entidades governamentais e não-governamentais, com destaque para a documentação emitida pela OE, para enquadrar as intervenções de enfermagem de reabilitação. Foram aceites todo o tipo de artigos, nas línguas portuguesa, inglesa ou espanhola, cujo texto integral estivesse acessível sem custos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Perante a mulher que apresenta sintomatologia compatível com disfunção do pavimento pélvico, o enfermeiro deve ser capaz de realizar uma apreciação e exame físico completos12. É essencial que exista tempo disponível para esta apreciação e o enfermeiro demonstre escuta ativa, competências de entrevista e familiaridade com a terminologia13. A apreciação inicial foca-se na sintomatologia, incluindo a natureza, início e duração das queixas e o seu impacto a nível físico, psicológico, social e sexual13. Dependendo da sintomatologia apresentada pode ser necessário colher mais informação, nomeadamente se a mulher apresentar incontinência urinária, fecal ou prolapso dos órgãos pélvicos. Deverá também ser realizada uma avaliação integrada dos sistemas corporais e outros elementos que possam influenciar a apreciação - como o historial médico, cirúrgico e obstétrico, terapêutica habitual, alergias, história social e ocupacional, peso/índice de massa corporal, dieta, ingestão hídrica e hábitos tabágicos ou etanólicos13.

O exame físico do pavimento pélvico inclui uma inspeção externa e, se não contraindicado, um exame interno. Previamente à realização destes, o enfermeiro deve estar atento a sinais de infeção ou corpos estranhos, fragilidade dos tecidos, dor, lesões, tensão, história de abuso sexual ou menstruação, podendo ser necessário adiar o exame até que as situações estejam resolvidas12. O exame externo é realizado com a mulher em decúbito dorsal, devendo o enfermeiro utilizar luvas limpas e gel lubrificante para inspecionar a área perineal, procurando alterações cutâneas, sinais de infeção, perdas fecais ou urinárias, prolapso dos órgãos pélvicos, sinais de vaginite atrófica e alterações que sejam compatíveis com mutilação genital. Ainda nesta etapa é importante pedir à mulher que tussa para verificar se ocorre protusão dos órgãos pélvicos ou perdas urinárias e/ou fecais12. Para observar a região anal, nomeadamente queixas de prolapso anal pode ser necessário realizar o exame no sanitário, após a tentativa de realizar a eliminação intestinal13.

O exame interno é contraindicado se a mulher tem idade inferior a 18 anos, teve um parto nas seis semanas prévias ou cirurgia pélvica nos últimos três meses. O exame interno deve ser realizado introduzindo o dedo indicador no canal vaginal e, num movimento circular, avaliar a simetria muscular, dor, tensão ou presença de alterações tecidulares compatíveis com cicatrizes provocadas por trauma ou episiotomia. Deverá ser novamente pedido à mulher que tussa durante este exame12. Por fim, a mulher deverá contrair os músculos do pavimento pélvico e o enfermeiro deverá fazer a avaliação dos mesmos recorrendo ao instrumento PERFECT e à Escala de Oxford Modificada introduzindo o dedo no canal vaginal. A Escala de Oxford Modificada apresenta valores entre 0, que corresponde à ausência de contração muscular e 5, que corresponde a uma contração forte14. A utilização desta escala contribui para a avaliação do primeiro parâmetro do instrumento com o acrónimo PERFECT:

  • Performance: avaliado através da Escala de Oxford Modificada;

  • Endurance: tempo (até 10 segundos) que uma contração muscular máxima é mantida até a sua força reduzir 50% ou mais;

  • Repetitions: o número de repetições (até um máximo de 10) da contração muscular máxima, com 4 segundos de repouso entre cada uma;

  • Fast: após um período de repouso de 1 minuto, é avaliado o número total de contrações rápidas e fortes que a mulher é capaz de realizar (até um máximo de 10);

  • Elevation: se existe elevação da parede vaginal posterior durante a contração;

  • Co-contraction: contração dos músculos abdominais inferiores durante a contração dos músculos do pavimento pélvico;

  • Timing: contração da musculatura de forma involuntária, síncrona com a tosse14.

Após esta avaliação deverá ser realizado o registo da apreciação, para posterior decisão do tratamento a implementar. De acordo com Arnouk et al.15 as guidelines atuais recomendam o tratamento conservador como a terapia de primeira linha para disfunção do pavimento pélvico, no qual se enquadra a intervenção do EEER. As decisões acerca do tratamento são sempre centradas na experiência da mulher com a sintomatologia, nos seus valores e nos seus objetivos para o tratamento13. Os programas educacionais e de exercício à mulher com disfunção do pavimento pélvico devem ser individualizados12) e o enfermeiro especialista tem o papel de informar acerca dos tratamentos possíveis para que a mulher tome uma decisão informada16.

O programa de reabilitação deverá iniciar-se com a educação e providência de informação à mulher acerca da anatomia e função da musculatura pélvica12 podendo ser útil recorrer a um modelo, diagrama ou um pequeno espelho6. A adesão ao programa de reabilitação é fundamental e como tal é importante informar a mulher acerca de quais os resultados expectáveis e de que podem passar-se três meses até que sejam notados resultados, pelo que a perseverança é fundamental12.

As intervenções comportamentais são basilares na intervenção na mulher com disfunção do pavimento pélvico, nas quais se incluem a gestão da obstipação, por exemplo através da dieta com fibras e aporte hídrico, devendo também a gestão do peso ser um fator a considerar17. A mesma organização refere que a mulher deve ser incentivada à cessação tabágica. Tian et al.18 referem que, apesar de frequentemente a mulher ser aconselhada a realizar exercício físico de menor impacto, a determinação de qual o tipo de exercício que pode ser realizado sem gerar elevadas pressões intra-abdominais deve ser individual, embora este possa ser um desafio nos contextos de prestação de cuidados devido aos recursos existentes. A mulher com dispareunia associada a hipertonia do pavimento pélvico deve ser aconselhada a suspender as relações sexuais com penetração durante o tratamento, podendo ser importante a referenciação para um terapeuta sexual6. No caso de estarem presentes sintomas urinários, podem ser incluídas outras intervenções como o treino de hábitos, micção dupla sem esforço e reduzir o consumo de substâncias como a cafeína16.

Uma das principais intervenções a implementar na mulher com disfunção do pavimento pélvico é o treino desta musculatura. O objetivo desta intervenção é melhorar a força, coordenação e resistência dos músculos do pavimento pélvico16. Não existem recomendações padrão acerca do plano de treino específico a realizar24, pelo que os objetivos deverão ser centrados, em aumentar a duração e o número de contrações conseguidas sempre num plano individualizado e de acordo com as capacidades da mulher19. Os exercícios devem ser realizados numa variedade de posições, inicialmente em decúbito e depois sentada, de pé ou durante atividades17, com incrementos progressivos12. A mulher deve ser instruída a realizar o movimento de contração muscular como se quisesse parar a passagem de fezes ou flatos, contraindo o esfíncter anal, num movimento no sentido anterior e superior, em direção à bexiga17. Para que a contração seja realizada corretamente a mulher deve ser instruída a não fazer o movimento de adução dos membros inferiores ou contrair o abdómen ou coxas12. Não deverá suster a respiração, mas sim inspirar profundamente pelo nariz e expirar pela boca, mantendo abdómen relaxado17.

Os exercícios de fortalecimento do pavimento pélvico devem incluir contrações longas e mantidas, bem como contrações rápidas. As contrações rápidas devem ser treinadas para que a mulher as possa mobilizar rapidamente perante um esforço que aumente a pressão intra-abdominal, ou seja, a mulher deverá ser instruída a mobilizar estas contrações antes da realização de atividades que aumentem a pressão intraabdominal ou para controlo da incontinência urinária de esforço17. Os exercícios podem também ser realizados enquanto a mulher realiza atividades, como por exemplo caminhar19. Por fim, pode ainda ser treinada a realização de uma contração submáxima sobre a qual são realizadas contrações fortes e rápidas, mantendo a contração submáxima de base19.

O fortalecimento da musculatura do pavimento pélvico pode ser complementado com a utilização do biofeedback, enquanto técnica que permite à mulher tomar consciência do funcionamento destes músculos e melhorar o seu treino. Este pode ser realizado por via digital intraretal ou intravaginal, colocação da mão no períneo ou com recurso a dispositivos específicos15, como os cones vaginais, facilitando o reconhecimento apropriado da contração e relaxamento dos músculos6. Por outro lado, como complemento do fortalecimento da musculatura do pavimento pélvico também pode ser realizada electroestimulação, ou seja, a utilização de impulsos elétricos por via superficial ou sonda interna para melhorar a contração muscular15. A Mesa do Colégio da Especialidade de Enfermagem de Reabilitação20 identifica que a eletroterapia no contexto da prática de cuidados de enfermagem de reabilitação carece ainda de pesquisa e investigação.

Dada a importância da adesão da mulher à realização destes exercícios sem a supervisão do EEER, devem também ser fornecidas estratégias para que a mulher não se esqueça de realizar os exercícios com regularidade como a utilização de alarmes ou lembretes no telemóvel, utilização de aplicações móveis ou em determinados momentos como após a micção, na ida ao ginásio ou nas deslocações em transportes17. Apesar de ser preconizado um plano individualizado de treino da musculatura pélvica, são já frequentes sessões de grupo nas quais são introduzidos os exercícios de fortalecimento do pavimento pélvico em conjunto com outros exercícios de ativação da musculatura do tronco, que permitem também à mulher maior motivação e apoio de pares19.

Além dos exercícios de fortalecimento da musculatura pélvica previamente descritos, os exercícios abdominais hipopressivos podem também ser realizados como estratégia de tratamento conservador, sendo eficazes em mulheres que têm dificuldade na correta identificação dos músculos do pavimento pélvico. Estes exercícios baseiam-se na sinergia entre a parede abdominal e o diafragma com a musculatura do pavimento pélvico21, fornecendo um estímulo de treino sem a contração voluntária22. Além das intervenções comportamentais, a utilização destes exercícios isoladamente ou em conjunto com o fortalecimento da musculatura pélvica pode reduzir a sintomatologia associada à disfunção do pavimento pélvico, melhorar a sua função e a qualidade de vida da pessoa22.

Considera-se importante ressalvar que, apesar de a maioria da literatura encontrada acerca da reabilitação da musculatura do pavimento pélvico focar o seu fortalecimento perante quadros de fraqueza muscular ou baixa resistência, existem situações relacionadas com o inadequado relaxamento ou espasmos desta musculatura. Assim, o objetivo da intervenção deverá modificar-se, sendo o foco o relaxamento dos músculos referidos, num conceito de down-training23. As estratégias de relaxamento podem ser implementadas uma vez que o stress pode provocar alterações fisiológicas que aumentam a tensão da musculatura pélvica17.

Por fim, no âmbito dos produtos de apoio relacionados com a temática, observa-se que perante a apresentação de quadros de prolapso dos órgãos pélvicos podem ser prescritos pessários. O enfermeiro especialista poderá ter treino específico para adequar o dispositivo e fazer o follow-up da sua utilização, incluindo a sua remoção e inspeção dos tecidos16. Conforme já foi previamente referido, existem também cones vaginais, dispositivos que providenciam feedback sensorial e estímulo para fortalecimento da musculatura, embora a efetividade deste método ainda não seja clara e a sua utilização pode não ser adequada em alguns casos24.

CONCLUSÃO

A disfunção do pavimento pélvico na mulher assume-se como uma temática relevante tendo em conta o impacto na qualidade de vida da mesma, ao longo do seu ciclo vital. A enfermagem de reabilitação encontra neste âmbito uma oportunidade de intervenção, validada pelas competências e padrões de qualidade definidas para estes cuidados.

Através da realização deste estudo foi possível identificar indicações específicas de apreciação da mulher com disfunção do pavimento pélvico, incluindo avaliação inicial, exame físico e instrumentos como a Escala de Oxford Modificada e o Instrumento PERFECT. No âmbito das intervenções identificaram-se as do âmbito comportamental, de fortalecimento da musculatura do pavimento pélvico, técnicas complementares como o biofeedback e a electroestimulação, exercícios abdominais hipopressivos, estratégias de relaxamento e produtos de apoio específicos.

A realização de uma revisão narrativa da literatura, embora acarrete limitações metodológicas, considerou-se ajustada dado que esta é uma temática em desenvolvimento no âmbito da enfermagem de reabilitação. Considera-se que foi fundamental o cruzamento da literatura existente com a documentação emanada pela OE, para enquadrar a atual ou futura intervenção do EEER nesta temática.

Espera-se que este documento forneça uma visão geral do tema e forneça sugestões de intervenções que o EEER pode aplicar na prática, em diversos contextos, na mulher com disfunção do pavimento pélvico. Dada a escassez de literatura no âmbito da intervenção de enfermagem de reabilitação nesta problemática, seria desejável a realização de investigação neste âmbito.

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2Todos os autores leram e concordaram com a versão publicada do manuscrito.

Financiamento: Este trabalho não recebeu nenhuma contribuição financeira ou bolsa.

Comissão de Ética: Não se aplica.

Declaração de consentimento informado: Não se aplica.

Proveniência e revisão por pares: Não comissionado; revisto externamente por pares.

Recebido: 09 de Dezembro de 2021; Aceito: 14 de Abril de 2022; Publicado: 15 de Maio de 2022

Autor correspondente: Vanda Pinto, vpinto@esel.pt

Contribuição do(s) autor(es):

Conceptualização: VE, VP;

Metodologia: VE, VP;

Validação: VE, VP;

Análise formal: VE, VP;

Investigação: VE, VP;

Tratamento de dados: VE, VP;

Preparação do rascunho original: VE, VP;

Redação e edição: VE, VP;

Revisão: VE, VP.

Conflitos de interesse:

Os autores não declaram nenhum conflito de interesses.

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