Psilogos

Editorial

Teresa Maia — Sáb, 30 Dez 2023 00:00:00 +0000

Psicose esquizomorfa como apresentação de doença de Huntington: sobre aspectos diagnósticos, implicações terapêuticas e direcções futuras. Um relato de caso.

Sáb, 30 Dez 2023 00:00:00 +0000

Introdução: A doença de Huntington (HD) é a doença neurodegenerativa monogenética mais comum. Alterações comportamentais e psicológicas podem anteceder os sintomas motores e cognitivos. Fenómenos psicóticos atípicos podem ser apresentados por uma minoria de doentes.

Objectivos: Apresentação e discussão de um caso clínico com particularidades significativas, desde a anamnese e diagnóstico até considerações terapêuticas.

Métodos: Entrevistas clínicas directas e consulta do processo clínico electrónico. Pesquisa na base de dados MEDLINE, para os termos MeSH: Huntington, psicose, esquizofrenia. Resultados e Conclusões: Um homem de 63 anos apresentou um curso e fenomenologia sugestivos de esquizofrenia de início
tardio. A prossecução do estudo firmou o diagnóstico de HD. Discutem-se os aspectos clínicos, a orientação terapêutica, e os obstáculos a considerar na obtenção dos antecedentes familiares, sublinhando a importância de particularidades microssociais na valorização da funcionalidade socio-ocupacional. A associação entre HD e fenómenos psicóticos poderá elevar na compreensão dos correlatos genéticos da esquizofrenia.

Psicose dissociativa – a propósito de um caso clínico

Pedro Felgueiras, Ana Miguel, Nélson Almeida, Joana Silva Ribeiro — Sáb, 30 Dez 2023 00:00:00 +0000

Introdução: A Psicose dissociativa de Janet contempla o fenómeno de divisão da personalidade, aquando de um evento de vida traumático. Num contexto intenso de stress emocional, o nível de energia adstrito à dimensão que mantém a funcionalidade do indivíduo pode decrescer e permitir a expressão da dimensão associada ao evento primário. Este fenómeno traduz-se num quadro com alterações da senso-perceção e do pensamento.

Objetivos: A propósito de um caso clínico, revisitar uma descrição clássica do fenómeno dissociativo para integrar a anamnese apurada.

Métodos: Efetuou-se uma abordagem psicopatológica compreensiva do caso clínico.

Resultados e Conclusões: Utente do sexo feminino, 26 anos, antecedentes médico-cirúrgicos irrelevantes. Percurso biográfico com dois eventos de vida traumáticos (falecimento dos pais, aos 18 e 22 anos). Quadro psicopatológico súbito de discurso desorganizado e incoerente, pensamento descarrilado com ideias grandiosas e autorreferenciais, envolvendo os pais. A anamnese crítica permitiu revisitar uma descrição clássica do processo psicótico, em particular o contínuo entre dissociação e psicose.

Narcisismo e Perturbação de Personalidade Narcísica: Aspetos Clínicos e Diagnósticos

Ana Sofia Miranda, Liliana Correia de Castro — Sáb, 30 Dez 2023 00:00:00 +0000

Introdução: A perturbação de personalidade narcísica, ainda que pouco compreendida, tem sido associada a fantasias de grandiosidade, porém os investigadores têm observado que esta se apresenta de variadas maneiras. Apesar de rara, é uma perturbação difícil de gerir, o que inviabiliza o tratamento de outras doenças mentais comórbidas, que lhe são comuns.

Objetivos: Apresentar a perspetiva mais recente e abrangente das manifestações clínicas da perturbação de personalidade narcísica, focando no fenótipo grandioso e no vulnerável. Relacionar essas duas apresentações com a prevalência, com as comorbilidades e com o tratamento.

Métodos: Revisão não sistemática da literatura no PubMed/MEDLINE e PsychINFO de artigos publicados entre 2001 e 2020. Análise da respetiva lista de referências bibliográficas previamente selecionada de forma a identificar fontes bibliográficas pertinentes. Foi também consultado o DSM-5.

Resultados e Conclusões: Atualmente há um consenso quanto à perturbação de personalidade narcísica se manifestar sob suas formas: grandiosidade e vulnerabilidade, apesar de no DSM-5 o diagnóstico ainda só ter em conta as apresentações grandiosas. Este novo paradigma exige um novo modelo de diagnóstico mais abrangente, altera os dados da prevalência da perturbação e renova a compreensão e a abordagem de patologias comórbidas. Porém, a construção, as manifestações clínicas e a abordagem terapêutica da perturbação de personalidade narcísica carecem ainda entendimento dentro da comunidade científica.

Integração das Pessoas com Perturbações do Espectro da Esquizofrenia na Sociedade: Uma Revisão Bibliográfica

Rui Barranha, Ana Isabel Samouco, Orlando von Doellinger — Dom, 31 Dez 2023 00:00:00 +0000

Introdução: As Perturbações do espectro da Esquizofrenia (PEE) encontram-se entre as patologias psiquiátricas associadas a maior gravidade e condicionantes de maior limitação funcional, constituindo uma das principais causas de exclusão social.

Objectivos: O objectivo deste trabalho é rever a literatura relativamente ao suporte social e familiar, bem como às intervenções reabilitativas disponíveis para os doentes com PEE, particularmente no contexto português.

Métodos: Foi realizada uma revisão da literatura com base em pesquisa na PubMed dos artigos relevantes neste contexto.

Resultados e Conclusões: A literatura publicada sobre este tema realça a marcada dependência de suporte familiar pelos doentes com PEE. As limitações na integração no mercado laboral, a dependência económica e as dificuldades em estabelecer relacionamentos estáveis acentuam ainda mais a sua exclusão social. A evidência aponta para a necessidade de investimento adicional na reabilitação psicossocial destes indivíduos.

Síndrome de Wernicke-Korsakoff: uma Revisão Narrativa

Brigite Wildenberg, Daniela Pereira, Luísa Vale, Nuno Madeira — Sáb, 30 Dez 2023 00:00:00 +0000

Introdução: A Síndrome de Wernicke-Korsakoff engloba uma tríade clássica de confusão, ataxia e oftalmoplegia. Foi descrita pela primeira vez por Carl Wernicke. Sergei Korsakoff descreveu um quadro de amnésia associado ao alcoolismo crónico. Murawieff propôs uma etiologia comum para as duas síndromes. Contudo, a tríade completa é uma apresentação incomum, o que leva ao subdiagnóstico, particularmente em contexto de urgência.

Objetivos: Rever a literatura atual sobre a síndrome de Wernicke-Korsakoff, com revisão de aspetos históricos, etiopatogenia, neuropatologia, diagnósticos diferenciais, aspetos clínicos, tratamento e prognóstico. Este artigo pretende contribuir para maior sensibilização para o diagnóstico desta patologia.

Métodos: Revisão não-sistemática da literatura através de pesquisa bibliográfica na base de dados Pubmed utilizando as palavras-chave “Encefalopatia de Wernicke”, “Síndrome de Korsakoff” e “Síndrome de Korsakoff Alcoólica”.

Resultados e Conclusões: A Síndrome de Wernicke-Korsakoff é um quadro neuropsiquiátrico causado pelo défice de vitamina B1 (tiamina). Embora seja prevalente no alcoolismo crónico, qualquer deficiência nutricional poderá cursar com défice tiamínico. Logo, qualquer elemento da tríade, sendo as alterações do estado mental as mais comuns, associado a um fator de risco nutricional, deverá levantar suspeita clínica. Sintomas mais tardios como a alteração dos sinais vitais (hipotensão, hipotermia e sinais de dificuldade respiratória) não devem afastar a hipótese diagnóstica, devendo entender-se como envolvimento do tronco cerebral por progressão da doença. Deve ser iniciada tiamina parentérica em alta dose em qualquer doente com suspeita de Encefalopatia de Wernicke. Devido às graves sequelas amnésticas, com grande impacto na qualidade de vida, da Síndrome de Korsakoff não tratada e à segurança da tiamina, é preferível iniciar tratamento logo que haja suspeita clínica da Síndrome de Wernicke-Korsakoff. É preferível o sobretratamento, dado
o seu perfil de segurança e as sequelas graves amnésticas, com grande impacto na qualidade de vida, da Síndrome de Korsakoff na ausência de tratamento.

O ressurgimento dos psicadélicos: revisão sobre o seu potencial uso terapêutico nas perturbações mentais e de adição

Sara Dehanov, Tiago Ferreira, Inês Figueiredo — Sáb, 30 Dez 2023 00:00:00 +0000

Introdução: Os psicadélicos são substâncias cujos efeitos subjetivos incluem alterações da perceção, cognição e afeto, assim como experiências de teor existencial. Os alucinogénios clássicos ou serotoninérgicos englobam moléculas como o LSD, a psilocibina, o DMT e a mescalina, entre outras. Desde a década de 1950 estas substâncias têm sido investigadas no contexto do tratamento de diversas perturbações mentais, como a depressão, a ansiedade e a perturbação obsessivo-compulsiva, tal como em várias perturbações de adição.

Objetivos: Elaboração de uma revisão não sistemática sobre o uso de psicadélicos clássicos no tratamento de perturbações mentais e de adição.

Métodos: Revisão não sistemática da literatura publicada na base de dados Pubmed/Medline.

Resultados e Conclusões: Encontraram-se vários estudos que procuraram investigar o mecanismo de ação, eficácia e segurança dos psicadélicos clássicos no tratamento da depressão, ansiedade e perturbação obsessivo-compulsiva, assim como na perturbação de uso de álcool, nicotina e substâncias ilícitas. Os resultados foram fundamentalmente positivos, evidenciando o potencial destas substâncias no tratamento das várias patologias, proporcionando, de acordo com os estudos, respostas clínicas rápidas e, na sua maioria, duradouras, tal como um baixo risco de efeitos adversos associados. Ainda que de forma preliminar, os psicadélicos clássicos parecem potencialmente úteis no tratamento de diversas perturbações mentais e de adição. Será relevante a realização de mais ensaios clínicos controlados e aleatorizados, com amostras de maiores dimensões a mais representativas para a determinação da eficácia terapêutica destas substâncias.

Prevenção Primária em Saúde Mental – Evidência Actual e Direções Futuras

Diogo Almeida, Teresa Maia — Sáb, 30 Dez 2023 00:00:00 +0000

Introdução: Intervenções preventivas, incluindo a prevenção primária, fazem parte da prática médica desde a antiguidade. As perturbações mentais representam uma significativa carga para os doentes, as famílias e a sociedade, e os tratamentos existentes são ainda limitados na melhoria deste encargo. Recentemente, um número crescente de estudos têm sido publicados sobre prevenção primária em saúde mental, relevando atenção para esta ferramenta terapêutica.

Objectivo: Rever a evidência actual sobre prevenção primária em psiquiatria e refletir sobre o seu futuro.

Métodos: Revisão não-sistemática da literatura, utilizando a base de dados Pubmed. Foram procurados artigos publicados entre janeiro de 2000 até julho de 2021, utilizando as palavras-chave “primary prevention”, “mental disorders” e “promotion”. Os artigos foram selecionados de acordo com a sua relevância para o objeto de estudo.

Resultados: A evidência científica atual apoia a eficácia da prevenção universal, seletiva e indicada, assim como a promoção da saúde mental. Estas intervenções mostraram ser custo-efetivas e capazes de alterar a trajetória das perturbações mentais, especialmente aquelas com uma elevada carga de doença. Tanto a segurança como a viabilidade destas medidas foram comprovadas. Apesar destes resultados encorajadores, a prática clínica encontra-se ainda longe de incorporar a prevenção primária no seu quotidiano. Os objetivos da prevenção apenas podem ser atingidos com o apoio de diferentes sectores e intervenientes a trabalhar de forma coordenada. Os profissionais de saúde mental e os serviços locais de saúde mental devem articular-se de forma a estimular a investigação e a adoção de intervenções integradas no seu modelo de ação. Serviços de psiquiatria da infância e da adolescência destacam-se como um elemento fundamental na atuação sobre a prevenção de jovens em risco.

Conclusão: A prevenção primária está progressivamente a ser reconhecida como uma ferramenta essencial no combate à elevada carga de doença em psiquiatria. Organizações de saúde mental, saúde pública, intervenientes políticos e a sociedade em geral devem trabalhar em conjunto na implementação destas medidas baseadas na evidência e custo-efetivas.

Semente – Um Programa de Promoção da Saúde Mental nos Filhos de Pessoas com Doença Psiquiátrica (COPMI)

Teresa Maia, Catarina Pereira, Joana Marau, Mónica Loureiro, Lurdes Toscano — Sáb, 30 Dez 2023 00:00:00 +0000

Introdução: O Departamento de Saúde Mental (DSM) do Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca (HFF) assume a sua visão de saúde pública e um modelo comunitário como princípios orientadores na prestação de cuidados à população pela qual é responsável. Entende também como sua missão o desenvolvimento de programas preventivos de saúde mental. O financiamento pelos EEA Grants permitiu desenvolver o programa Semente, um programa de promoção da saúde mental nos filhos de pessoas com doença psiquiátrica (COPMI).

Objetivos: Os autores propõem-se descrever o programa Semente, desenvolvido pelo DSM do HFF. Enquadramento: Os COPMI representam uma população com elevado risco psicossocial, nomeadamente de negligência, maus-tratos e interações familiares disfuncionais que podem estar associados a psicopatologia familiar, assim como maior risco de exposição a estigma e isolamento. São recomendadas abordagens centradas na família, que podem ser implementadas pelos profissionais responsáveis pelo tratamento de pessoas com doença psiquiátrica, estando documentada a sua eficácia.

Descrição e implementação do programa: O programa Semente tem como objetivos promover a saúde mental dos COPMI, reforçar competências parentais nas pessoas com doença psiquiátrica e identificar precocemente psicopatologia nos seus filhos. Desenvolvido em conjunto por profissionais dos Serviços de Psiquiatria de adultos (SPA) e de Psiquiatria da Infância e Adolescência (SPIA), está estruturado em três níveis de intervenção de acordo com o grau de risco psicossocial, em que o terceiro nível é de intervenção terapêutica. Através da identificação de fatores de risco e de proteção, os profissionais das equipas comunitárias de adultos orientam as famílias para intervenções preventivas. Foi definido um plano de formação geral e em intervenções específicas dirigido aos profissionais e constituída uma rede integrada de cuidados.

Conclusões: O programa Semente permitiu implementar um programa de promoção da saúde mental numa população vulnerável, com maior risco de desenvolvimento de psicopatologia, mas de fácil acesso através dos seus pais. Torna possível intervir no balanço entre fatores de risco e de proteção, que medeiam a transmissão transgeracional de psicopatologia. Para a sua sustentabilidade, salienta-se o reforço da articulação entre o SPA e o SPIA e a formação dos profissionais. Trata-se de um programa inovador, sustentável e replicável.