1921: crise, etnografia e profecia
Resumen
Nesta palestra Jorge Dias 2021 pretendo fornecer uma dimensão genealógica e diacrónica às formas como a antropologia, a crise e as noções de permanência e anacronia foram tecidas desde os primeiros tempos do nosso método etnográfico há agora 100 anos. Começo por comentar a conhecida simultaneidade do nascimento da etnografia britânica (Malinowski 1922; Radcliffe-Brown 1922) e o sentido de crise europeia expressa nesses anos não só por filósofos, teólogos e pensadores, mas também por poetas e artistas, e mais paradoxalmente por T. S. Eliot no seu longo poema The Waste Land (Eliot 1922). Quero também salientar que a emergência do método científico na antropologia foi acompanhada por um grande silêncio epistemológico que nos obrigou, por exemplo, a não ouvir a “voz da profecia” (Ardener 1989) que, tal como a voz da poesia, atua como um diagnóstico e rebelião contra as crises impostas, externa ou internamente, à cultura. Este silêncio dificultou aos antropólogos a perceção dos enredos entre rutura e continuidade, e entre o “princípio da copresença” histórico e o “princípio da sucessão” (Rancière 1996). A crítica de Rancière a Febvre é assim utilizada para compreender a razão pela qual a antropologia tem sido relutante em compreender a força da diferença (rebelião, profecia, inovação) nos oceanos de semelhança. Termino argumentando que, 100 anos após o nascimento da disciplina, encontramo-nos hoje numa situação semelhante à de 1922. Tal como então, vivemos na waste land, numa ruína aparentemente interminável e totalmente globalizada. Mas também agora, como em 1921, viver entre ruínas desencadeia imaginações sobre permanência, sobre passados, sobre história, sobre “cultura”, e permite que o princípio da copresença tenha precedência sobre o princípio da sucessão.