Da relevância dos Consensos
DOI:
https://doi.org/10.25751/rspa.4830Keywords:
ConsensoAbstract
A Anestesiologia através das suas sociedades científicas nacionais, europeias, americanas ou internacionais ou através da sua participação em reuniões multidisciplinares elabora de forma regular guidelines ou recomendações.
Ao procurarmos os consensos publicados nos últimos cinco anos (2009-2014) na Medline, dentro do âmbito da Anestesiologia, e utilizando os termos guidelines, recommendations, standards, anaesthesiology / anesthesiology e society, obtemos cerca de 34 publicações. A maioria tem origem em sociedades nacionais europeias (quinze) e na European Society of Anesthesiology (quatro). Os restantes distribuem-se por entidades com origem nos Estados Unidos da América (nove), outras associações internacionais (cinco) e Sociedade Brasileira de Anestesiologia (uma).
Poderemos, talvez, concluir ser este um assunto que tem merecido atenção por parte da comunidade científica da especialidade e constituir uma ferramenta clínica relevante.
A Sociedade Portuguesa de Anestesiologia (SPA) tem patrocinado a elaboração de “Recomendações” sobre diversas áreas. O presente número da RSPA edita os textos que resultaram dos grupos de trabalho envolvidos na recente elaboração dos seguintes consensos:
1. Recomendações Perioperatórias para Profilaxia do Tromboembolismo Venoso no Doente Adulto. Consenso Nacional Multidisciplinar, 2014
2. Manuseio Peri-operatório dos Doentes Medicados com Anticoagulantes e Antiagregantes Plaquetários: resultado da 3ª Reunião de Consenso Sociedade Portuguesa de Anestesiologia
Estes documentos foram apresentados no Congresso Nacional da SPA (março, 2014) nas respetivas reuniões de consensos e estiveram sob consulta pública na página oficial da SPA.
A Revista da SPA (RSPA) tem sido um dos veículos de divulgação dos consensos. Reportando-nos a um passado recente encontramos diversos documentos elaborados por grupos de trabalho dedicados à anestesia regional e hemóstase,1,2 ao doente diabético,3 à anestesia para obstetrícia4 ou para cirurgia de ambulatório.5,6 A importância do desenvolvimento de recomendações nacionais já foi abordada em editoriais anteriores.7,8
A política de apoio e incentivo à construção destes documentos tem sido conduzida por agências governamentais, ordens profissionais ou sociedades científicas. As Recomendações, Normas de Orientação Clínica ou Guidelines diferem nos métodos de elaboração e nos objetivos. Mas, no essencial pretendem estruturar o que de mais relevante a medicina baseada na evidência produziu até determinado momento sobre um aspeto clínico em particular. Consideram-se particularmente úteis quando permitem esclarecer a dúvida sobre a adequação de determinada prática num contexto clínico bem definido.9
Para além da correta formulação da questão (ou questões) para a qual se pretende obter uma resposta, o painel de profissionais envolvidos, a sua multidisciplinaridade, a transparência dos processos de análise na construção e na evidência da força das recomendações (quando adequado) e a declaração de conflitos de interesse são os componentes de um processo que valorizam todo o trabalho desenvolvido. São estes os fatores que o Institute of Medicine of the National Academies considera como determinantes na qualificação de guidelines.10
Alguns aspetos são apontados como potenciais limitações nas recomendações, tais como a possibilidade inerente do erro e de uma única medida não poder servir para todos os doentes.9 Na primeira situação, a capacidade em identificar e a valorização crítica dos estudos que sustentam determinada evidência são considerados os fatores fundamentais para sustentar a melhor evidência.11 Os autores das presentes Recomendações foram particularmente cuidadosos ao discutir as áreas de consenso ou divergência das orientações das diferentes entidades, nacionais ou internacionais, ou a força da evidência clínica quando ela existia. Na segunda situação, a avaliação risco-benefício numa base individual deverá ser implementada,12 de acordo com as recomendações estabelecidas e as preferências do doente, quando adequado, ou quando este não se enquadrar na população-alvo para a qual a recomendação foi especificamente desenhada.13 O conceito intrínseco subjacente será de que as recomendações não se substituem à decisão clínica, mas devem ajudar à sua conceção e, por essa via, otimizar a escolha realizada.
Será importante ressalvar da necessidade de implementar, de forma regular, as sempre necessárias atualizações. De salientar que um dos consensos se apresenta na sua 3ª edição/reunião -o que espelha a exigência dos autores em manter a adequação dos conteúdos ao estado da arte.
Outro aspeto implícito a um consenso está relacionado com a capacidade de este ser atual e poder adaptar-se a diversos contextos clínicos. Se o primeiro ponto está contemplado na revisão da mais recente bibliografia, o segundo aspeto pode relacionar-se com as implicações que a introdução e a implementação de novas terapêuticas, nomeadamente na área dos anticoagulantes orais diretos, vêm trazer à prática anestesiológica. Esta é uma realidade ainda relativamente incipiente, mas que no futuro tenderá a ser mais prevalente e com novos desafios, em especial na anestesia para cirurgia de urgência. Nesta, como em outras matérias, penso que os objetivos dos trabalhos agora apresentados, conseguiram os seus objetivos.
Uma nota final para o artigo “In Memoriam // Pedro José Ruela Torres (1922-2014) ”. A importância da personalidade, o que representou para a Anestesiologia e para as sucessivas gerações de anestesiologistas em Portugal.
Os meus melhores cumprimentos.
António Augusto Martins
Editor da RSPA
Referências
1. Correia C, Fonseca F, Lages N, Lobo C. Guia prático de doentes medicados com fármacos que interferem na hemóstase propostos para anestesia do neuroeixo ou de plexo/nervos periféricos. Rev Soc Port Anestesiol. 2007; 16 (3): 21-41.
2. Fonseca C, Neusa L, Correia C. 2ª Reunião de consenso de doentes medicados com fármacos inibidores da hemóstase propostos para anestesia locorregional. Rev Soc Port Anestesiol. 2010; 19 (2): 12-29.
3. Pereira MJ, Ferreira a, Vilaverde J. Recomendações de boas práticas clínicas no controlo perioperatório de doentes diabéticos. Rev Soc Port Anestesiol. 2008; 17 (4):9-27.
4. Viterbo J, Azenha M, Ormonde L, Bismark JA, Crisóstomo MR, Centeno MJ, et al. Recomendações – Anestesia em Obstetrícia. Rev Soc Port Anestesiol. 2010; 19 (4):9-10.
5. Vieira V, Marcos A, Patuleia D, Pinto J, Lança F. Recomendações portuguesas para a profilaxia e tratamento das náuseas e vómitos no pós-operatório em cirurgia de ambulatório. Rev Soc Port Anestesiol. 2011; 20 (2):10-21.
6. Sarmento P, Fonseca C, Marcos A, Marques M, Lemos P, Vieira V. Rev Soc Port Anestesiol. 2013; 22:35-43.
7. Ormonde L. Editorial. Rev Soc Port Anestesiol. 2010; 19 (4):4.
8. Ormonde L. Editorial. Rev Soc Port Anestesiol. 2011; 20 (2):4.
9. Woolf SH, Grol R, Hutchinson A, Eccles M, Grimshaw J. Potential benefits, limitations, and harms of clinical guidelines. BMJ.1999; 318:527-30.
10. Institute of Medicine. Graham R, Mancher M, Wolman DM, Greenfield S, Steinberg E, editors. Clinical practice guidelines we can trust. Washington : National Academies Press; 2011.
11. Petrisor BA, Keating J, Schemitsch E. Grading the evidence: Levels of evidence and grades of recommendation. Injury. 2006;37:321-7.
12. Peterson PN, RumsfeldJS. The evolving story of guidelines and health care: does being NICE help? Ann Intern Med. 2011;155:269-71.
13. Jaeschker R, Jankowski M, Broz J, Antonelli M. How to develop guidelines for clinical practice. Minerva Anestesiol. 2009;75:504-8.
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