Friedrich Engels e Teoria(s) Feminista(s) do Direito: um passo atrás, dois em frente
Palavras-chave:
Estudos Críticos do Direito, Crítica Marxista do Direito, Correntes Feministas, Pedagogia Jurídica, Direitos das MulheresResumo
Numa abordagem meramente pedagógica e não-exaustiva, recordamos o contributo teórico de um pensador essencial para qualquer interessado/a na relação entre Direito e Feminismo. Focando-nos no aspecto epistemológico dessa relação, arguimos a pertinência de evocar alguns dos labores literários de Friedrich Engels, nomeadamente A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado (1884), quando inovadoramente expôs muitas das linhas com que o patriarcado urde e exerce a opressão feminina, com sustento na normatividade jurídica. Enquadrando-se tais reflexões no contexto-maior do modelo económico capitalista, as cogitações engelsianas mostraram-se continuamente actuais e transversais às correntes dos feminismos liberal, cultural, radical, pós-moderno, pós-colonial e anticapitalista.
Se nenhum jurista consciente da desigualdade de género inata ao mundo androcêntrico da juridicidade deve ignorar os contributos deste precursor dos Estudos Críticos do Direito, o repto assume especial peso no pensamento jurídico lusitano. Dada a sua genealogia e modus vivendi historicamente conservadores, não só os estudos críticos da juridicidade em geral colheram pouca recepção, como as especificidades da Teoria Feminista do Direito não têm ainda a projecção urgente que merecem. Que um passo atrás, à boleia de Friedrich Engels, seja um estímulo para dar dois em frente, galgando-se o atraso jurídico que ainda macula a sociedade portuguesa.
Referências
AA.VV. We Organize to Change Everything. Fighting for Abortion Access and Reproductive Justice. Ed. Natalie Adler, Marian Jones, Jessie Kindig, Elizabeth Navarro e Anne Rumberger, Reino Unido: Verso Reports & Lux Magazine, 2022.
ALMEIDA, Miguel Régio de. The «Symbolic Power» of Iberian Academia at the Colonial Jus Gentium Europaeum Founding Moment. Jurist’s Law and European Identity. Dogmatic-institutional, methodological and legal-philosophical problems. Coord. José M. Aroso Linhares, Ana Margarida Gaudêncio, Inês Fernandes Godinho, Coimbra: Instituto Jurídico, 2018, pp. 3-19.
― “Juristas de todo o Mundo, lede Marx!” A relevância de Zur Judenfrage para o Pensamento Jurídico Crítico em geral e para a Filosofia dos Direitos Humanos em particular». III Congresso Internacional Marx em Maio 2018. No bicentenário do nascimento de Karl Marx. Org. Grupo de Estudos Marxistas, Lisboa: Grupo de Estudos Marxistas, 2020, pp. 399-412.
― Between memoricide and revisionism: subsidies towards a pedagogical turn on the Universal Declaration of Human Rights. International Review of Contemporary Law, Vol. II, n.º 3, 2020, pp. 61-67.
― Friedrich Engels: um precursor do Pensamento Jurídico Crítico. Vértice, n.º 198, 2021, pp. 111-119.
ARRUZZA, Cinzia; BHATTACHARYA, Tithi; FRASER, Nancy. Feminismo para os 99%: Um Manifesto, trad. Eurídice Gomes, Lisboa: Objectiva, 2019.
BARATA-MOURA, José. A viragem de 1844. Engels, Marx e a Economia Política: uma Nótula sobre Primeiras Abordagens. Boletim de Ciências Económicas, Vol. 57, n.º 1, 2014, pp. 557-631.
BELEZA, Teresa Pizarro. Antígona no reino de Creonte. O impacte dos estudos feministas no direito. ex aequo, n.º 6, 2002, pp. 77-89.
― Direito das mulheres e da igualdade social: a construção jurídica das relações de género. Uma Proposta de Estudo e de Ensino, Coimbra: Almedina, 2010.
BENJAMIN, Walter. Johann Jakob Bachofen. O Anjo da História, trad. João Barrento, Portugal: Assírio & Alvim, 2017, pp. 79-93 [1954].
BERMAN, Harold J. Law and Revolution. The Formation of Western Legal Tradition, EUA: Harvard University Press, 1983.
― Law and Revolution II. The Impact of the Protestant Reformations on the Western Legal Tradition, EUA: Harvard University Press, 2006.
BESSA, Paulo. Apresentação. In E. B. Pasukanis, A Teoria Geral do Direito e o Marxismo, Rio de Janeiro: Renovar, 1989, pp. VII-XXII.
BLOCH, Ernst. Derecho natural y dignidad humana, trad. Felipe González Vicén, Madrid: Dykinson, 2011 [1961].
BOURDIEU, Pierre. La force du droit. Éléments pour une sociologie du champ juridique. Actes de la recherche en sciences sociales, n.º 64, 1986, pp. 3-19.
― Habitus, code et codification. Actes de la recherche en sciences sociales, n.º 64, 1986, pp. 40-44.
BROWN, Jenny. Without Apology. The Abortion Struggle Now, Reino Unido: Verso, 2019.
CARMON, Irin; KNIZHNIK, Shana. Notorious RBG. The life and times of Ruth Bader Ginsburg, EUA: HarperCollins, 2015.
CROIX, G. E. M. de Ste. The Class Struggle in the Ancient Greek World: From the Archaic Age to the Arab Conquests, Reino Unido: Cornell University Press, 1981.
CRUZEIRO, Celso. Direito e justiça: em busca de um novo paradigma, Coimbra: Almedina, 2019.
CUNHA, Paulo Ferreira da. Filosofia Política – Da Antiguidade ao Século XXI, Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2010.
DIAS, Sousa. Grandeza de Marx: por uma política do impossível, Lisboa: Assírio & Alvim, 2011.
DOUZINAS, Costas; GEAREY, Adam. Critical Jurisprudence. The Political Philosophy of Justice, Reino Unido: Hart Publishing, 2005.
DORRONORO, Begoña. Existindo, resistindo e reexistindo: mulheres indígenas perante os seus direitos. O pluriverso dos direitos humanos: a diversidade das lutas pela dignidade. Org. Boaventura de Sousa Santos, Bruno Sena Martins, Lisboa: Edições 70, 2019, pp. 407-431.
ENGELS, Friedrich. Para a questão da habitação, trad. João Pedro Gomes, Lisboa-Moscovo: Editorial «Avante!» – Edições Progresso, 1983 [1872].
― Anti-Dühring. Revolucionamento da Ciência pelo Senhor Eugen Dühring, trad. Filipe Guerra, URSS: Edições Progresso, 1990 [1878].
― A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, trad. João P. Gomes, Lisboa-Moscovo: Edições «Avante!»-Edições Progresso, 2.ª ed., 2002 [1884].
― A família monogâmica (Friedrich Engels em A Origem da família, da Propriedade e do Estado)». In Karl Marx, Friedrich Engels, V. I. I. Lenine, Alexandra Kollontai, Contributo para a História do Feminismo, Lisboa: Alêtheia Editores, 2018, pp. 74-101 [1884].
ENGELS, Friedrich; KAUTSKY, Karl. O Socialismo Jurídico, trad. Lívia Cotrim e Márcio B. Naves, São Paulo: Boitempo, 2012 [1887].
FRASER, Nancy. Fortunes of Feminism. From State-Managed Capitalism to Neoliberal Crisis, EUA: Verso, 2013.
GAMA, Katherine de. Feminist Perspectives on Law. The Critical Lawyers’ Handbook 2. Ed. Paddy Ireland, Per Laleng, Reino Unido: Pluto Press, 1997, pp. 150-158.
GAUDÊNCIO, Ana M. Simões. Entre o centro e a periferia. A perspectivação ideológico-política da dogmática jurídica e a da decisão judicial no critical legal studies movement, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2013.
GUEDES, Armando Marques. Entre Factos e Razões. Contextos e Enquadramentos da Antropologia Jurídica, Coimbra: Almedina, 2005.
HESPANHA, António Manuel. Savans et rustiques. La violence douce de la raison juridique, Ius commune, n.º 10, 1983, pp. 1-48.
― Cultura Jurídica Europeia – Síntese de um Milénio, Mem Martins: Publicações Europa-América, 3.ª ed., 2003.
― O caleidoscópio do direito. O direito e a justiça nos dias e no mundo de hoje, Coimbra: Almedina, 2.ª ed., 2014.
HONNETH, Axel. A Ideia de Socialismo. Tentativa de Atualização, Lisboa: Edições 70, 2017.
KENNEDY, Duncan. Legal Education and the Reproduction of Hierarchy. A Polemic against the System (A Critical Edition), EUA: New York University Press, 2004 [1983].
KOLAKOWSKI, Leszek. Main Currents of Marxism: Its Rise, Growth, and Dissolution. Volume I – The Founders, trad. P. S. Falla, Reino Unido: Oxford University Press, 1978.
ISHAY, Micheline R. The Human Rights Reader. Major Political Essays, Speeches, and Documents from Ancient Times to the Present, EUA: Routledge, 2.ª ed., 2007.
― The History of Human Rights. From Ancient Times to the Globalization Era, EUA: University of California Press, 2008.
LENINE, V. I. I. O movimento operário feminino. In Karl Marx, Friedrich Engels, V. I. I. Lenine, Alexandra Kollontai, Contributo para a História do Feminismo, Lisboa: Alêtheia Editores, 2018, pp. 53-60 [1919].
― A Revolução de Outubro e a mulher. In Karl Marx, Friedrich Engels, V. I. I. Lenine, Alexandra Kollontai, Contributo para a História do Feminismo, Lisboa: Alêtheia Editores, 2018, pp. 68-70 [1921].
MACHADO, João Baptista. Introdução ao direito e ao discurso legitimador, Coimbra: Almedina, 26.ª reimp., 2019 [1987].
MANSELL, Wade. A Critical Introduction to Law, Reino Unido: Routledge, 4.ª ed., 2015 [1995].
MARTINS, Catarina. Desalinhar abismos no reverso do moderno: perspetivas feministas pós-coloniais para um “pensamento alternativo das alternativas”. O pluriverso dos direitos humanos: a diversidade das lutas pela dignidade. Org. Boaventura de Sousa Santos, Bruno Sena Martins, Lisboa: Edições 70, 2019, pp. 531-555.
MARX, Karl. A Questão Judaica. Manuscritos Económico-Filosóficos, trad. Artur Morão, Lisboa: Edições 70, 1989, pp. 33-73 [1844].
― Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. Manuscritos Económico-Filosóficos, trad. Artur Morão, Lisboa: Edições 70, 1989. pp. 75-93 [1844].
― O Capital. Crítica da Economia Política, Livro I, Tomo III, Lisboa-Moscovo: Edições «Avante!»-Edições Progresso, 1997 [1867].
― Excerto da carta de K. Marx a L. Kugelmann, a 12 de Dezembro de 1868. In Karl Marx, Friedrich Engels, V. I. I. Lenine, Alexandra Kollontai, Contributo para a História do Feminismo, Lisboa: Alêtheia Editores, 2018, p. 15.
OLIVEIRA, Adriana Vidal de. Constituição e Direitos das Mulheres. Uma Análise dos Estereótipos de Gênero na Assembleia Constituinte e suas Consequências no Texto Constitucional, Curitiba: Juruá, 2014.
MORE, Gillian. Arguing Equality: Recognising the Traps. The Critical Lawyers’ Handbook 2. Ed. Paddy Ireland, Per Laleng, Reino Unido: Pluto Press, 1997, pp. 115-123.
PEDROSO, João; CASALEIRO, Paula; BRANCO, Patrícia. A odisseia da transformação do Direito da Família (1974-2010): um contributo da Sociologia Política do Direito. Sociologia, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, n.º 22, 2011, pp. 219-238.
PROUDHON, Pierre-Joseph. What is Property?. Property is Theft! Pierre-Joseph Proudhon Anthology. Ed. Iain McKay, Canadá: AK Press, 2011, pp. 87-138 [1840].
QUENTAL, Antero. Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos Últimos Três Séculos, Lisboa: Tinta-da-China, 2017 [1871].
SANTOS, Cecília MacDowell. Direitos Humanos das mulheres: mobilização do direito e epistemologias do Sul. O pluriverso dos direitos humanos: a diversidade das lutas pela dignidade. Org. Boaventura de Sousa Santos, Bruno Sena Martins, Lisboa: Edições 70, 2019, pp. 353-376.
SARTÓRIO, Lúcia Valadares. O socialismo jurídico: A atualidade de uma obra voltada para o futuro [Resenha]. Verinotio, n.º 19, 2015, pp. 175-177.
SCHMITT, Carl. The Nomos of the Earth in the International Law of the Jus Publicum Europaeum, trad. G. L. Ulmen, EUA: Telos Press, 2006 [1950].
SOTTOMAYOR, Maria Clara. A situação das mulheres e das crianças 25 anos após a Reforma de 1977. Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, Volume I: Direito da Família e das Sucessões, Coimbra: Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2004, pp. 75-174.
― Feminismo e método jurídico. Direito Natural, Justiça e Política. II Colóquio Internacional do Instituto Jurídico Interdisciplinar. Volume I. Org. Paulo Ferreira da Cunha, Coimbra: Coimbra Editora, 2005, pp. 323-343.
SOUSA, Rabindranath Capelo de. Direito da Família e das Sucessões. Relatório sobre o programa, o conteúdo e os métodos de ensino de tal disciplina, Coimbra: Coimbra Editora, 1999.
― Teoria Geral do Direito Civil. Volume I, Coimbra: Coimbra Editora, 2003.
SOUSA, Rita Mota. Introdução às Teorias Feministas do Direito, Porto: Edições Afrontamento, 2015.
SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode a Subalterna Tomar a Palavra?, trad. António Sousa Ribeiro, Lisboa: Orfeu Negro, 2021 [1985].
STONE, Matthew; WALL, Illan Rua; DOUZINAS, Costas (ed.). New Critical Legal Thinking: Law and the Political, Nova Iorque: Routledge, 2012.
SUPIOT, Alain. Homo Juridicus. Ensaio sobre a função antropológica do Direito, trad. Joana Chaves, Lisboa: Instituto Piaget, 2006.
UNGER, Roberto Mangabeira. The Critical Legal Studies Movement: Another Time, A Greater Task, EUA: Verso, 2015 [1983].
VENTURA, Isabel. Medusa no Palácio da Justiça ou Uma História da Violação Sexual, Lisboa: Tinta-da-China, 2018.
Downloads
Publicado
Como Citar
Edição
Secção
Licença
Direitos de Autor (c) 2023 Revista Jurídica Portucalense
Este trabalho encontra-se publicado com a Licença Internacional Creative Commons Atribuição 4.0.
Autores que publicam nesta revista concordam com os seguintes termos:
- Autores conservam os direitos de autor e concedem à revista o direito de primeira publicação, com o trabalho simultaneamente licenciado sob a Licença Creative Commons Attribution que permite a partilha do trabalho com reconhecimento da autoria e publicação inicial nesta revista.
- Autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não-exclusiva da versão do trabalho publicada nesta revista (ex.: publicar em repositório institucional ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial nesta revista.
- Autores têm permissão e são estimulados a publicar e distribuir o seu trabalho online (ex.: em repositórios institucionais ou na sua página pessoal) a qualquer ponto antes ou durante o processo editorial, já que isso pode gerar alterações produtivas, bem como aumentar o impacto e a citação do trabalho publicado (Veja O Efeito do Acesso Livre).
A RJP não aplica taxas de submissão, publicação ou de qualquer outra natureza, sendo os artigos publicados em acesso livre e aberto, com a missão de difusão do conhecimento científico e o debate de temas jurídicos na área das Ciências Jurídicas.
