Safety: a long way to go
DOI:
https://doi.org/10.25751/rspa.6231Keywords:
Anesthesiology, Checklist, Patient SafetyAbstract
A Anestesiologia é frequentemente apontada como uma das especialidades médicas mais seguras. De facto, a cultura de segurança está muito enraizada na nossa prática e muito temos evoluído e contribuído para a segurança dos doentes. No entanto, muito há ainda a fazer neste domínio.
É certo, e motivo de orgulho, que em 20 anos a taxa de mortalidade de causa anestésica diminuiu 10 vezes, sendo essa taxa aproximadamente de 1 para 100 000 casos.1 Mas atualmente, este índice não é um bom indicador de segurança. A morbilidade não melhorou assim tanto, e as complicações de causa anestésica continuam a ser frequentes. Apresentam-se incidências de 18 a 22% de complicações minor relacionados com a anestesia, 0,45% a 1,4% de complicações severas e, 0,2 a 0,6% de complicações com dano permanente.2 O trabalho inédito baseado nos dados do sistema de notificação de incidentes da sociedade de anestesiologia e cuidados intensivos alemã, revelou uma incidência de morte ou complicação séria com envolvimento direto da anestesia, de 7,3 por milhão, em cirurgia eletiva de doentes ASA I e II.3
É na morbilidade de causa anestésica que temos de nos focar e baixar estas taxas deverá ser agora a próxima meta. Encaremos a realidade: ocorrem ainda muitos erros e danos evitáveis.
O ensino tradicional não tem transmitido de forma eficaz aos futuros médicos e internos da especialidade, as questões de segurança. “Errar é humano”, é um facto, mas na hora de nos julgarem por erros cometidos, este argumento não será válido. O ser humano tem limitações e dificilmente poderemos alterar essa condição, mas podemos alterar as condições onde o homem (médico) trabalha. Podemos equipar (médico e ambiente) com ferramentas e estratégias que evitem o erro e tornem a sua atividade mais segura.4
Os ambientes em que o Anestesiologista se move são, frequentemente, complexos dinâmicos e exigentes, tornando-se um terreno fértil para a ocorrência de erros. Temos noção, que muitas vezes circulamos em terrenos armadilhados, onde não cometermos erros é meramente uma questão de sorte.
Nos últimos anos, vários instrumentos têm sido desenvolvidos para promover a segurança e diminuir a ocorrência do erro.
Os sistemas de notificação de incidentes são uma destas ferramentas. A nível dos serviços, das instituições ou a nível nacional são, em qualquer destas modalidades, um meio poderosíssimo para conhecer fatores de risco latentes. A Direção Geral de Saúde criou recentemente a plataforma SNNIEA – Sistema nacional de notificação de incidentes e eventos adversos.5 Esta plataforma é transversal a todos os cuidados de saúde referindo que a notificação é voluntária e anónima, como o deverá ser sempre, na nossa opinião, para garantir a adesão dos profissionais de saúde. Sendo, sem dúvida, um passo muito importante no caminho da segurança do doente, os ganhos para a Anestesiologia estão, obviamente, longínquos.
Sistemas de notificação restritos à nossa especialidade seriam muitíssimo benéficos.
É fundamental perceber o contexto em que ocorreu um erro, para delinear estratégias para que esse mesmo erro não volte a acontecer, tornando a nossa atuação mais segura. As lições provenientes dos sistemas de notificação dão-nos inúmeras oportunidades de aprendizagem orientando a elaboração de planos de segurança, que, surpreendentemente na maioria das vezes, são medidas simples.
A Simulação é outra metodologia que em várias áreas de alto risco (como a aviação) tem sido utilizada, para promover a segurança, com sucesso.
Várias investigações, em várias especialidades médicas, têm identificado sistematicamente falhas na comunicação e no trabalho de equipa, como responsáveis por resultados desfavoráveis.5
A performance do médico depende de 3 fatores: conhecimento, competências técnicas e atitude. Esta última vertente também designada por aptidões não técnicas ou comportamentais, engloba, entre muitas outras, a capacidade de liderança, de comunicação eficaz e de trabalhar em equipa.1,2 Classicamente, a formação médica apresenta lacunas no treino de competências não técnicas, que têm sido apontadas como responsáveis por morbilidade e mortalidade acrescidas.4,6 A simulação médica permite a aquisição e o desenvolvimento destas competências num ambiente seguro. Permite também o treino simultâneo de competências técnicas e não técnicas, em situações complexas e raras. Com esta metodologia os erros desaparecem ao clicar de um botão, mas entretanto, as experiências vividas tornam os profissionais mais alerta para a importância dos erros comportamentais na prática clínica.
Nos últimos anos tem surgido alguma evidência científica sobre a Simulação na área Obstétrica, demonstrando uma evolução muito positiva das equipas multidisciplinares com melhoria do outcome perinatal, após treino de simulação.7,8
Fatores organizacionais foram também identificados como responsáveis de morbilidade e mortalidade associadas à anestesia. Isto sugere que os esforços no sentido de promoção da segurança do doente não devem ser exclusivamente direcionados para a melhoria de competências individuais, mas também para a otimização do trabalho das equipas interdisciplinares, e melhoria da organização dos sistemas de saúde.9
A elaboração e aplicação de checklists é um método que visa a diminuição do erro em cuidados de saúde. Existem atualmente diversas checklists quer para processos lineares como a preparação do carro de emergência, quer para processos complexos com envolvimento de vários profissionais, em vários locais do hospital, como é o caso do projeto “Cirurgia segura, Salva vidas”.
Briefings antes de procedimentos de rotina e debriefings, sobretudo se houve complicações, são essenciais para que os erros cometidos não se repitam, constituindo um meio de aprendizagem contínua e elevando o nível organizacional.9
A standartização do equipamento e do ambiente de trabalho; a implementação de protocolos e algoritmos de atuação e a divulgação e adoção de guidelines de sociedades científicas internacionais, são ferramentas que comprovadamente têm diminuido a incidência de erros.
A Declaração de Helsínquia, cujo objetivo foi tornar a Anestesiologia uma especialidade mais segura tem já 4 anos.10 Quantas das suas orientações estão implementadas nos nossos serviços? Quantas recomendações estão efetivamente presentes na nossa prática diária? O que mudou desde então?
A promoção de uma cultura de segurança é da responsabilidade de cada um e de todos os anestesiologistas e é também da responsabilidade de todos nós, incutir ativa e continuamente estes princípios aos que iniciam o percurso na anestesiologia.
A Segurança deve estar subjacente em cada gesto, deve ser uma atitude permanente, um estado de espírito.
Downloads
Downloads
Published
How to Cite
Issue
Section
License
Articles are freely available to be read, downloaded and shared from the time of publication.
The RSPA reserves the right to commercialize the article as an integral part of the journal (in the preparation of reprints, for example). The author should accompany the submission letter with a declaration of copyright transfer for commercial purposes.
Articles are published under the terms of the Creative Commons Attribution Non-Commercial License (CC BY-NC).
After publication in RSPA, authors are allowed to make their articles available in repositories of their home institutions, as long as they always mention where they were published.