Chamada para artigos - Dossiê Temático (Sinais de Cena, nº3) (fechada)

Arquivos e artes performativas: memória, transmissão e criação

(coord. Maria João Brilhante)

 

Os arquivos não são lugares onde se encerram documentos intocáveis e secretos, ali depositados para preservar a lei e a ordem ou testemunhar o passado. São lugares vivos disponíveis para as questões que queremos colocar-lhes e, atualmente, para devolverem ao nosso convívio documentos transformados pela criação artística.

Entendido como conjunto de documentos, o arquivo guarda os que são produzidos num determinado momento, associados a acontecimentos, a certas práticas envolvidas em circunstâncias que lhes dão um valor ou uma função. Por isso, documentos do passado mais ou menos longínquo que encontramos em arquivos físicos e mais recentemente digitais são olhados, analisados, por nós agora, em busca de compreensão de um passado que nos afeta no presente.

O historiador Marc Bloch sublinhou a importância da passagem de recordações através das gerações, possibilitada pela sobrevivência e transmissão de documentos e pelas razões que justificam essa transmissão. Documentos são também monumentos produzidos e deixados para memória futura, para comemorar, tal como as estátuas, os templos ou os edifícios que albergam instituições e significam o reconhecimento identitário da comunidade, ou parte dela.

Um arquivo cria a memória e a identidade de uma sociedade porque congrega os documentos que a comunidade quis e quer preservar, mas, por isso mesmo, o arquivo é também uma criação dessa comunidade. A sua configuração serve os interesses de quem o criou.

O trabalho da história faz-se, sobretudo, procurando nos arquivos os documentos do passado que consideramos pertinentes para responder às perguntas do presente. Para isso há que realizar um trabalho arqueológico, escolhendo-os, fazendo a sua descrição, colocando-os em relação uns com os outros, constituindo conjuntos, nas palavras de Michel Foucault, questionando-os.

 

A ideia de partida para esta reflexão assenta nessa mobilidade documental do arquivo, na sua permanente recomposição porque os documentos saem para novos usos e combinações e guardam as marcas dessa circulação. Podemos falar de uma memória do arquivo, quando não de uma história do arquivo. Assim, a relevância do arquivo está no dinamismo que é capaz de criar, no impacto que os seus documentos produzem na comunidade ao surgirem na esfera pública sob diversas formas, intervindo na memória social e coletiva.

Qual a relevância do arquivo para a criação artística contemporânea?  Também ela escolhe e propõe ordenamentos documentais (textos, registos audiovisuais, fotos, objetos) que dialogam com o presente e com as recordações partilhadas pela comunidade ou constroem a (pós-)memória daquilo que não foi na realidade vivido.

Arquivar o teatro coloca a questão mais lata sobre em que consiste conservar o rasto estético e artístico da prática teatral através de materialidades muito diversas e de gestos de inclusão e exclusão fortuitos, por vezes obscuros ou motivados pela circunstância artística, económica, sociopolítica da própria criação (e por aqui ligamos o arquivo à génese do processo criativo), gestos envolvendo múltiplos agentes, convém não esquecer.

Neste número da revista Sinais de Cena convidamos à submissão de artigos que aprofundem uma discussão onde pontuam autores como Walter Benjamin, Michel Foucault, Jacques Derrida, Diana Taylor, entre outros. Registo, apagamento, transmissão, discurso, modos de fazer e de usar, fragmentação, materialidades, ordem e caos, existência digital, são alguns termos em torno dos quais especular sobre a paixão pelos arquivos e a necessidade de os criar e transmitir.  

 

Referências bibliográficas sugeridas:

BENJAMIN, Walter (1940), On the concept of history, Walter Benjamin Archive, disponível em: https://www.marxists.org/reference/archive/benjamin/1940/history.htm (consultado a 1-09-2023).

BLOCH, Marc (1949), APOLOGIE pour l’HISTOIRE ou MÉTIER D’ HISTORIEN, Cahier des Annales 3, Paris, Librairie Armand Colin.

DERRIDA, Jacques (1995), Mal d’archive. Une impression freudienne, Paris, Galilée.

FOUCAULT, Michel (1969), L’Archéologie du savoir, Paris, Gallimard.

TAYLOR, Diana (2003), The archive and the repertoire. Performing cultural memory in the Americas, Durham and London, Duke University Press.

 

Os textos podem ser enviados até 31 de dezembro de 2023 para sinaisdecena@gmail.com

 

Devem seguir as seguintes normas de submissão: https://revistas.rcaap.pt/sdc/about/submissions