Chamada para artigos (nº 4) Performance, Ecologia e o Fim do Mundo

Performance, Ecologia e o Fim do Mundo

(coord. Gustavo Vicente)

A reflexão sobre o potencial das artes performativas para repensar a relação da humanidade com o domínio natural tem vindo a ganhar contornos mais claros desde o final do século XX. O desafio lançado por Una Chaudhuri em 1994, através do seu artigo “There must be a lot of fish in that lake: toward an ecological theater” –[i] que exigia da prática teatral uma resposta consistente à crise ambiental –, é, por muitos, considerado o pontapé de saída do campo de conhecimento associado ao que hoje chamamos de Eco-performance ou Eco-teatro. Desde então, um número crescente de autores tem vindo a aprofundar os termos (materiais, filosóficos, culturais e/ou políticos) a partir dos quais se pode articular a prática artística com o pensamento ecológico (e.g., Baz Kershaw, Wendy Arons e Theresa May, Alan Read, Vicky Angelaki, Carl Lavery, Lisa Woynarski), desenvolvendo novas questões e perspectivas conceptuais em torno da capacidade das artes performativas para agenciar uma mudança de atitude em relação à forma como vivemos na Terra.

Uma das questões principais abordadas por este campo interdisciplinar é a tradição antropocêntrica do próprio meio teatral, no seio do qual a humanidade tem ocupado o papel central de questionamento estético, relegando a prática contemporânea para a esfera da cultura, por oposição a uma ideia selvática da natureza que subsiste “fora” do mundo. Alguma prática mais recente tem tentado romper com esta lógica bipartida, na medida em que tem procurado considerar o ambiente natural, não apenas através dos seus atributos biológicos, mas também éticos – reconhecendo, desta forma, a complexidade inerente à compreensão humana sobre a rede de relações ecológicas na qual, necessariamente, se insere e o valor intrínseco de outras formas de vida.

Outro dos desafios emergentes é a forma como a prática artística lida com o paradoxo ontológico que se estabelece entre performance e ecologia, uma vez que a realização da primeira se opõe, muitas vezes, à preservação da segunda. A cultura tradicionalmente urbana e consumista na qual se inscrevem as artes performativas são cúmplices do mesmo sistema de exploração de recursos que põe em risco a saúde ambiental do planeta. Neste sentido, a questão de fundo já não passa tanto pela pergunta sobre como podemos teatralizar as várias facetas da natureza, mas como é que esta nos pode per-formar. De uma maneira geral, esta visão tem-se traduzido na construção de experiências artísticas nas quais a audiência é vista como uma comunidade assente na responsabilidade partilhada de agir em regime de co-existência com a realidade material que a envolve.

Mais recentemente, o reconhecimento da fatalidade de uma catástrofe climática tem vindo a produzir um sem número de dramaturgias e processos criativos em torno do imperativo do fim do mundo.  O livro de Brian Kulick lançado em 2023 – Staging the End of the World: Theatre in a Time of Climate Crisis [ii] procura dar conta, precisamente, da multiplicidade de olhares que as artes performativas têm trazido sobre o fim dos tempos, tal como o concebemos, e sobre as possibilidades de adaptação a um futuro necessariamente distópico. Neste contexto, a prática das artes performativas tem dado corpo a uma pluralidade de manifestações que variam entre a representação das dimensões afectivas, sociais e políticas associadas ao colapso da humanidade e o agenciamento de formas de imaginação sobre mundos porvir.

Nesta edição da Sinais de Cena, convidamos a comunidade académica e artística, entre outras que se edificam em torno de um espírito curioso sobre estas matérias, a escrever sobre as possibilidades de actuação das artes performativas - não só em relação às correspondências simbióticas entre performance e ecologia, mas também em relação à forma como as narrativas de fim do mundo têm aberto espaços de efabulação sobre futuros possíveis. Estando receptivos a todo o tipo de olhares epistemológicos sobre o tema e sub-temas que daqui se possam ramificar, estamos igualmente disponíveis para acolher as perspectivas que se constroem sobre ou através da prática artística, em torno de espectáculos ou processos de pesquisa experimental em contextos de programação institucional ou de natureza informal, sem restrições de ordem conceptual ou ao nível das possibilidades formais de escrita. No fundo, abertos à diversidade de tópicos e modos de saber que apontem para a formação de um pensamento artístico-ecológico investido em recuperar o sentido colectivo das coisas.

 

A revista aceita textos em português, inglês, francês, espanhol e italiano.

Os textos podem ser enviados até 31 de julho de 2024 para sinaisdecena@gmail.com

Devem seguir as seguintes normas de submissão: https://revistas.rcaap.pt/sdc/about/submissions

 

[i] Chaudhuri, U. (1994). “There must be a lot of fish in that lake: Toward an ecological theater”. Theater, volume 25, issue 1, pp.23-31, Duke University Press: Durham.

[ii] Kulick, B. (2023). Staging the End of the World: Theatre in a Time of Climate Crisis. Methuen Drama, Bloomsbury Publishing: London.