Chamada para artigos Sinais de Cena, III, 5 Dossiê temático

Teatro, revolução e a construção da democracia

Coord. José Pedro Sousa e Ariadne Nunes

 

Desde a Grécia antiga até aos nossos dias, o teatro tem prosperado em contextos democráticos, participando da vida da pólis e interpelando os cidadãos. Mas se tragédias como Agamemnon de Ésquilo ou Antígona de Sófocles problematizam questões que interferem no governo da cidade, concorrendo para a tomada de consciência cívica que o edifício democrático requer sem pôr em causa a natureza do regime ou o modo de governo, uma comédia como  Lisístrata de Aristófanes, ao encenar um processo revolucionário, representa um salto qualitativo no sentido de questionar o sistema vigente, os seus dogmas e as suas instituições.

Ao longo da história do teatro e do espectáculo, o binómio democracia/revolução tem sido o tema ou o pretexto de um amplo corpus dramático, explorado nos mais distintos géneros e modelos, desde o teatro experimental ao musical, do documental ao épico. A morte de Danton, de Georg Büchner ou Cerimonial para um Combate, de Claude Prin, são exemplos deste repertório universal, ancorados, aliás, em dois momentos revolucionários decisivos para a contemporaneidade e para as democracias modernas: a Revolução Francesa e a Comuna de Paris.

Há também o teatro produzido em contexto revolucionário ou que dele emerge como consequência de novas coordenadas políticas e sócio-culturais, pois, como observa Enzo Traverso em Revolution: an Intellectual History, “most revolutions contain or engender aesthetic turns” (2021: 16). Um dos casos mais emblemáticos é o da Revolução de Outubro e dos distintos movimentos artísticos - suprematismo e construtivismo -  que suscitou. No plano teatral, bastaria lembrar os textos de Lunacharsky e a revolução estética que a biomecânica de Meyerhold representou, indissociável da dramaturgia engajada de Maiakovski. No contexto português, importa recordar o complexo programa de Luiz Francisco Rebello para o teatro, que se manifesta no plano dramatúrgico, historiográfico, pedagógico e legislativo.

Se os estudos de teatro e performance têm uma tradição bibliográfica robusta no que respeita ao estudo do teatro e da revolução (vd. Itzin 1980, Wiltshire e Cowan 2018), mais recentemente, talvez como consequência da polarização política da actualidade, tem-se verificado um crescimento das publicações em torno da relação entre teatro e democracia. Monografias como Democracy, Theatre & Performance: From the Greeks to Gandhi, de David Wiles, e The Playbook. A Story of Theatre, Democracy and the Making of a Culture War, de James Shapiro, contribuem para expandir o horizonte analítico e metodológico. Enquanto Wiles reflecte sobre as práticas performativas como elementos inerentes à práxis democrática ao longo da história e em diversas geografias (por exemplo, a importância da oratória nos discursos públicos durante a Revolução Francesa ou a performatividade pacifista e “desocidentalizada” de Gandhi na procura da independência democrática da Índia), Shapiro centra-se na história fugaz do Federal Theatre (1935-1939), nos Estados Unidos da América. Criado no contexto do New Deal, este projecto conciliava o objectivo de revitalizar uma indústria colapsada e empregar uma classe que soçobrava depois do crash de 1929 com a consciência de que o teatro devia ser financiado pelo Estado por cumprir uma missão crucial na preservação da democracia, tentativa gorada pela acção da House of Un-American Activities Committee, numa caça às bruxas que prenuncia o macarthismo. Hoje, a actividade do Belarus Free Theatre na promoção da liberdade de expressão através da performance e do activismo mostra bem como as artes cénicas continuam a concorrer para a construção de uma sociedade mais justa em contextos adversos (vd. Kompelmakher 2023).

Neste número da Sinais de Cena pretende-se olhar criticamente para os processos de construção democrática em períodos (pré e pós-)revolucionários e no papel que o teatro e a performance tiveram, ou o lugar que ocuparam, nessas circunstâncias. Seja numa perspectiva diacrónica global, seja em projectos de micro-história local, o dossier temático da Sinais de Cena, III, n. 5, procura oferecer novos caminhos para o estudo da intercepção entre o teatro, a revolução e a construção da democracia.

 

Sugestões de tópicos de trabalho:

  • Teatro: revolução, memória e democracia
  • O lugar do teatro e da performance nos processos revolucionários ou de transição para a democracia
  • A revolução e a democracia enquanto práticas performativas
  • Revoluções tecnológicas e democracia através do/no teatro
  • Práticas democráticas na criação, gestão e produção das artes do espectáculo
  • Poéticas e estéticas teatrais revolucionárias ou nas/das revoluções
  • Igualdade, diversidade e inclusão nas práticas teatrais e performativas
  • O papel do teatro na interpelação, preservação e defesa da democracia

 

 

Referências bibliográficas sugeridas:

AQUILINA, Stefan (ed.) (2021) Amateur and Proletarian theatre in Post-Revolutionary Russia. Primary Sources. London: Bloomsbury.

BUTLER, Judith (2018). Notes Toward a Performative Theory of Assembly. Harvard: Harvard University Press.

ECKERSALL, Peter & GREHAN, Helena (Ed.) (2019). The Routledge Companion to Theatre and Politics. London & New York: Routledge.

FISHER, Tony (2023). The aesthetic exception: Essays on art, theatre, and politics. Manchester: Manchester University Press.

IPANEMA, José de (2023). Brazilian Political Theatre. Aesthetics and Engagement. Berlin: Peter Lang Verlag.

ITZIN, Catherine (1980). Stages in the Revolution: Political Theatre in Britain since 1968. London: Methuen Publishing.

KOMPELMAKHER, Margarita (2023). “Belarus Free Theatre: Political Theatre in Exile” In The Palgrave Handbook of Theatre and Migration, Meerzon, Y., Wilmer, S. (eds). London: Palgrave Macmillan, pp. 751-762.

MALZACHER, Florian (2023). The Art of Assembly. Political Theatre Today. Berlin: Alexander Verlag.

MASLAN, Susan (2005). Revolutionary Acts: Theater, Democracy, and the French Revolution. Baltimore: Johns Hopkins University Press.

NEVEUX, Olivier (2019). Contre le théâtre Politique. Paris : La Fabrique Éditions.

VAN VUUREN, Petro Janse , Bjørn RASMUSSEN and Ayanda KHALA (eds.) (2021). Theatre and Democracy: Building Democracy in Post-War and Post-Democratic Contexts. Cappelen Damm Akademisk/NOASP. https://doi.org/10.23865/noasp.135

TRAVERSO, Enzo (2021). Revolution. An Intellectual History. London and New York: Verso.

SCHECHNER, Richard (1967). “Theatre & Revolution”. Salmagundi, 2(2 (6)), 11–27. http://www.jstor.org/stable/40546467

SHAPIRO, James (2024). The Playbook. A Story of Theatre, Democracy and the Making of a Culture War. London: Faber.

WILES, David (2024). Democracy, Theatre & Performance: From the Greeks to Gandhi. Cambridge: Cambridge University Press.

WILTSHIRE, Kim & COWAN, Billy (eds) (2018). Scenes from the Revolution. Making Political Theatre 1968-2018. Ormskirk/London: Edge Hill University Press and Pluto Press.

 

 

Os textos podem ser enviados até 30 de setembro de 2025 para sinaisdecena@gmail.com

Devem seguir as seguintes normas de submissão: https://revistas.rcaap.pt/sdc/about/submissions