Uso da Vara com Instrumento em Crianças de 3 anos de idade: Affordances e Efetividades
DOI:
https://doi.org/10.25746/ruiips.v7.i2.19309Palavras-chave:
Crianças, Equivalência Motora, Incorporação, Jardim de Infância, Uso de InstrumentoResumo
Podemos alcançar o mesmo objetivo usando diferentes combinações de nossos segmentos corporais, fenómeno que é denominado de "equivalência motora" (Lashley, 1930). Um instrumento é um objeto destacável do meio ambiente, que é acoplado ao nosso corpo, e que pode ampliar a nossa capacidade de o explorar e modificar (Beck, 1980, cf. St Amant, & Horton, 2008). O processo de uso de um instrumento tem implicações neurológicas, propiciando a incorporação das propriedades físicas daquele no nosso sistema neuromotor (Maravita, & Iriki, 2004; Catela, 2007; Ferreira & Catela, 2012). Mesmo só com um ensaio para alcançar um alvo com uma vara leve, realizamos trajetórias semelhantes às que descrevemos se usássemos a nossa mão (Lacquaniti, Socchting e Terzuolo, 1982). Com este estudo pretendemos verificar se crianças do jardim de infância conseguiriam detetar a affordance de varas, com comprimentos distintos, para alcançar e empurrar uma bola leve para um alvo.
A amostra foi composta por 13 crianças de jardim de infância (6 meninas), todas com 3 anos de idade. Consentimento informado e assentimento foram obtidos. O seu braço foi medido (27,8 ± 2,3cm). Foram usadas sete varas de madeira de balsa, logo muito leves, com um intervalo de diferença de comprimento de 7,5cm, começando em 22,5cm, até 67,5cm; e, o comprimento da vara intermediária (45 cm) foi somado ao comprimento do braço individual da criança, o qual foi usado para definir a distância a que ela foi colocada em frente de uma mesa, com uma bola leve perto de si. Atrás da bola havia um alvo vertical. Assim, a bola estava no espaço extrapessoal, ou seja, o espaço fora do alcance da mão (Berti & Frassinetti, 2000); passando a localizar-se no seu espaço pessoal se a vara fosse fornecida, da intermédia até à mais longa.
Mostrando à criança uma vara de cada vez (inicialmente, a criança não tocou na vara, só a viu na mão da experimentadora), por ordem crescente ou decrescente dos seus comprimentos, cujas sequências foram alternadas entre as crianças, era pediu à criança, para cada vara, se ela seria capaz de empurrar a bola para o alvo com essa vara. Após esta condição, e para as varas onde a criança disse que conseguiria fazê-lo, a criança teve a oportunidade de tentar fazê-lo, e suas ações foram analisadas qualitativamente.
O teste de Mann-Whitney foi utilizado para comparações entre grupos e o teste de Cochran (Q), seguido pelo teste de McNemar (com correção de Bonferroni), foram utilizados para comparações intragrupo, e o coeficiente de Contingência para associação entre variáveis; para um nível de significância de ,05; através do programa IBM-SPSS, versão 24. Não foram encontradas diferenças significativas entre os géneros e entre sequências apresentação das varas.
Os resultados revelaram que com a haste mais curta (25,5cm), 46,15% das crianças responderam que conseguiriam, e com a seguinte (30cm), 53,85% também o afirmaram. Para a vara com o comprimento de 37,5cm, a resposta afirmativa aumentou para 76,92%; e para a barra intermediária ficou-se pelos 69,23%. Os valores para as hastes mais longas foram 100% e 92,31%. No geral, houve uma diferença significativa entre varas para as respostas afirmativas (Q (13,6) = 21,447, p˂,002); no entanto, não foram encontradas diferenças significativas quando foram feitas as comparações emparelhadas. Porque somente com a vara intermédia uma criança conseguiria alcançar a bola e esticando totalmente o braço, tal significava que, no caso das hastes mais curtas, somente se a criança aplicasse soluções motoras adicionais ela conseguiria alcançar a bola com a vara. Na realidade, para a vara mais curta, 66,7% delas estenderam o braço e giraram os ombros, e 33,7% estenderam o braço e inclinaram o tronco. A extensão do braço com inclinação para a frente do tronco foi uma solução motora frequentemente aplicada para as seguintes varas (30cm- 57,1%; 37,5cm e 45cm- 40%; 52,5cm- 61,5%), caindo para 18,2% em na vara de 60 cm e 7,7% na de 67,5 cm. Para as duas últimas varas, a solução mais frequente foi a extensão do cotovelo, com 72,7% das ocorrências com a vara de 60cm e 76,9% com a de 67,5cm.
Este estudo confirma que, mesmo antes de agir com um instrumento, a criança tem a capacidade de detetar as suas affordances (Gibson, 1979/1986), para usá-las em sinergia com os graus de liberdade do seu próprio corpo (articulações do cotovelo, do tronco e da anca). As crianças também revelaram a capacidade de incorporar o comprimento das varas nas suas ações (cf. Bongers, Michaels, & Smitsman, 2004; Bongers, Smitsman, & Michaels, 2004), trocando o recurso a mais graus de liberdade para a menos, à medida que as varas se tornaram mais compridas. À medida que as varas se tornaram mais compridas, as soluções motoras evoluíram sempre para a solução motora mais económica, porque estender o braço é menos cansativo do que inclinar o tronco, e nenhuma criança usou apenas a inclinação do tronco para alcançar a bola com a vara. Assim, as crianças também detetaram a interação da affordance da vara com suas efetividades (van Leeuwen, Smitsman, & van Leeuwen, 1994), porque com alguma capacidade de diferenciação, mudaram de solução postural de acordo com o comprimento da vara (cf. Bongers, 2001). Adicionalmente, também esteve presente equivalência motora, pois diferentes crianças apresentaram soluções diferentes para o mesmo comprimento de vara. Se as crianças com 3 anos de idade têm a capacidade percetiva para detetar as affordances de um instrumento e de se adaptarem às mudanças no meio ambiente, é essencial promover a estimulação percetivo-motora no jardim de infância, a fim de assegurar um desenvolvimento infantil enriquecedor (cf. Smitsman, & Bongers, 2003).
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