Por una geografía de los espacios vividos
DOI:
https://doi.org/10.18055/Finis19763Resumen
A fenomenologia enquanto instrumento teórico para estudar a experiência geográfica tem sido objeto de um renovado interesse que está intrinsecamente ligado ao desenvolvimento de novas abordagens e conceitos fenomenológicos. Por um lado, a Nova Fenomenologia germânica tem vindo a construir uma concepção da experiência humana como uma experiência do espaço-tempo, principalmente através do conceito-chave de atmosfera. Por outro, alguns filósofos francófonos e anglófonos têm vindo a ser considerados pós-fenomenológicos por apresentarem uma conceptualização mais relacional do sujeito. Embora diferentes, estes avanços vieram reafirmar a fenomenologia como um exercício eminentemente geográfico, no sentido em que defendem que o estudo dos fenómenos da consciência não pode ser conduzido sem ter em conta como a consciência emerge em relação com o mundo, com os lugares, com o espaço-tempo. Assim, não só a fenomenologia passa a preocupar-se com a estética dos espaços e as suas relações sociais, como também os conceitos fenomenológicos se tornam mais apropriados para descrever a relação ser humano-planeta, que é um dos objetivos históricos da geografia (Ash & Simpson, 2016; McCormack, 2017).
Ainda assim, o florescer das geografias pós-fenomenológicas tem sido acompanhado por comentários críticos pertinentes. A principal crítica é dirigida ao tom universalista que se encontra no estilo abstrato da escrita que é frequentemente incapaz de conceber como a experiência do mundo se diferencia conforme se diferenciam os corpos e os espaços. Por exemplo, a concepção de sujeito das geografias pós-fenomenológicas poucas vezes tem em consideração as maneiras como diferentes sujeitos sociais (por distinções de género, etnia, nacionalidade, condição social, etc.) têm diferentes sentidos de estética, epistemologias, e mundividências que geram diferentes modos de ser-no-mundo e ser-com (Tolia-Kelly, 2006). Relacionado com isto, as geografias pós-fenomenológicas têm-se, não raras vezes, ancorado nos fenómenos que não são experienciados conscientemente (chamados não-representacionais) para afirmar um certo caráter impessoal (ou a-pessoal) da experiência do mundo. O problema desta abordagem é que este caráter impessoal da experiência do mundo só pode ser afirmado ao se apagar a complexa relação entre os fenómenos não-representacionais e as subjetividades, relações, histórias e contextos que se entrelaçam no devir de momentos afetivos particulares (Anderson, 2019; Wetherell, 2015). Esta questão torna-se particularmente pertinente dado que as geografias pós-fenomenológicas se têm proposto a abordar questões políticas, ao contrário das geografias fenomenológicas de cariz humanista que tendiam a afastar-se desses temas.
Tendo estas limitações e perigos presentes, um número considerável de geógrafos tem-se dedicado a imaginar uma fenomenologia crítica que seja capaz de abordar temas políticos sem emudecer as diferenciações entre os sujeitos que estuda. Entre as várias propostas, tem-se destacado o impacto do novo materialismo, especialmente o campo emergente de estudos sobre políticas viscerais, que se debruça sobre como as ideias e ideais políticos emergem através de experiências corporais (sensoriais, cognitivas, emocionais, mas também de violência ou de disciplina). Por outro lado, desenha-se um entrelaçamento entre as geografias pós-fenomenológicas e as geografias críticas ancoradas em pensadores do espaço como Henri Lefebvre ou Gilles Deleuze (ex. Kinkaid, 2020a, 2020b; Simonsen & Koefoed, 2020).
Angelo Serpa (2019) apresenta uma outra alternativa para uma geografia fenomenológica crítica no seu livro mais recente: Por uma Geografia dos Espaços Vividos, publicado em São Paulo pela Editora Contexto. Este livro deve ser contextualizado no irromper de um redescobrimento da geografia humanista no Brasil que se vem desenrolando gradualmente deste o início do século. Para tal, têm contribuído as atividades do Grupo de Pesquisa Geografia Humanista Cultural, constituído em 2008, que tem ligado os investigadores interessados em epistemologias humanistas, e a sua revista Geograficidade, inaugurada em 2011, onde se tem publicado com regularidade estudos de geografia cultural com abordagens fenomenológicas. Este interesse na geografia humanista partiu inicialmente de um redescobrimento no sentido literal, com a publicação de estudos históricos sobre a epistemologia geográfica humanista, mas tem igualmente levado a uma exploração de novos temas e novas abordagens, como o atestam, a título de exemplo, o número especial da revista Espaço e Cultura sobre “Geografia dos Sons e Literatura”, ou o número especial da Revista Geografia em Atos sobre “Afetos e emoções: abordagens teórico-metodológicas na análise do Espaço Geográfico”, ambos publicados em 2019 (Holzer, 2016; Lamego & Novaes, 2019; Marandola Jr. et al., 2012; Neto, 2019).
A proposta de Serpa retorna a autores clássicos da fenomenologia como Edmund Husserl, Maurice Merleau-Ponty, Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre e Gaston Bachelard, recuperando a redução fenomenológica como método de investigação sobre a experiência da paisagem. Combina ainda estes autores com pensadores críticos do espaço como Milton Santos, Henri Lefebvre, Rogério Haesbaert, David Harvey e Karl Marx, salientando os processos de construção de paisagem e as suas intenções políticas, e afirmando a necessidade de situar o estudo fenomenológico da experiência da paisagem no contexto da produção (política) dessas paisagens. A bibliografia eclética de Serpa estende-se ainda para além deste encontro entre fenomenologia clássica e crítica espacial, recuperando também a filosofia de Friedrich Nietzsche e Jürgen Habermas, e a geografia humanista de Éric Dardel e Edward Relph.
Assim, Serpa propõe o estudo da vivência humana a partir de uma perspetiva que combina o estudo intersubjectivo da experiência e o estudo crítico da produção dos espaços que providenciam experiências. O autor mostra como esta abordagem pode ser aplicada a pesquisas sobre lugares, territórios, paisagens e regiões, considerando que estes não são apenas conceitos geográficos abstratos, e que podem ser entendidos como modos geográficos da existência humana. Esta abordagem vai ao encontro da transição para um entendimento mais performativo dos principais conceitos da geografia que se tem verificado na disciplina, nomeadamente na transição da ideia de lugar para lugar-como-evento, de território para territorialização, de espaço para espaço-tempo, e de região para regionalidade. Ao situar estes conceitos como modos geográficos da existência humana, Serpa indica o quotidiano como o espaço-tempo chave para questionar a produção dos espaços e das suas representações. Combinando a análise da experiência e da produção espaciais, Serpa encontra no corpo humano um instrumento fundamental para abordar esse espaço-tempo chave. Mais precisamente, é o conceito de inspiração nietzschiana de corpo-poesia que é avançado como fundamental para abordar o quotidiano. O corpo-poesia refere-se ao corpo praticado, à expressão da sensação do corpo como expressão artística, nas palavras de Serpa (2019, p. 115), “a apropriação do corpo total e, logo, do espaço”, que surge em oposição a uma expressão abstrata, intelectual, do corpo. A partir de Henri Lefebvre, Serpa discute esta dialética entre o abstrato, associado ao pensamento e à linguagem, e o concreto, que se refere ao sentido, ao experienciado, ao vivido. Serpa propõe uma fenomenologia concreta que emerge deste corpo-poesia e não da teoria abstrata. Esta fenomenologia concreta, perscrutada a partir do corpo no quotidiano, estará então no cerne dos espaços vividos, uma posição privilegiada para entender as diferenciações da experiência geográfica.
É importante sublinhar que Serpa apresenta a fenomenologia não como um fim em si, mas como um método para saber mais sobre os espaços que vivemos, e para questionar. Ainda que o potencial da fenomenologia não se esgote numa única abordagem, a fenomenologia concreta de Serpa oferece-nos uma rota alternativa em direção a uma geografia com uma maior capacidade de incluir diferentes experiências e mundividências e, nesse sentido, uma geografia mais polivocal.
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